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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Criatividade para financiar
LUCIANO COUTINHO
Parece-me carente de imaginação o debate sobre a política macroeconômica brasileira.
Discute-se ardorosamente a respeito da boa ou má calibragem
do regime de metas de inflação.
Ao fixar metas incredivelmente
apertadas para 2004 e para 2005,
o Copom exacerbou o debate e
quase saiu chamuscado, pois teve
de recuar, embora justificadamente, dada a superveniência de
choques de oferta no início deste
ano (commodities) e no terceiro
trimestre (petróleo). Se as metas
fossem mais realistas e factíveis, o
patamar de juros poderia ser
mais baixo, com menor ônus fiscal.
A deficiência desse debate reside na sua miopia. Um olhar em
perspectiva revela que o desafio
da consolidação da estabilidade
de preços e da confiança empresarial a médio e a longo prazos depende não apenas do controle do
ritmo de crescimento (demanda
agregada) mas, principalmente,
da expansão dos investimentos
(oferta). Com efeito, a economia
brasileira ainda desfruta de níveis relativamente folgados de
ociosidade industrial (na grande
maioria dos setores de bens de
consumo duráveis e não-duráveis). É provável que, "coeteris paribus", mantido o crescimento do
PIB a 4,5% ao ano, dentro de um
prazo de mais 12 a 18 meses comecem a se manifestar tensões inflacionárias derivadas da escassez
de bens de consumo. No momento, os focos de estrangulamento de
oferta são limitados, embora importantes, pois compreendem insumos intermediários relevantes
na matriz de relações interindustriais (o aço é o caso mais evidente e o mais incômodo, pois tem sido, recentemente, um fator agressivo de inflação de custos).
Em suma, para assegurar a estabilidade e a convergência das
expectativas de inflação, sem reprimir o ritmo de crescimento, é
urgente e imprescindível deslanchar logo uma onda ponderável
de investimentos privados para
criação de capacidade produtiva,
especialmente nos setores intensivos em capital que já ostentam
índices altos de utilização da capacidade instalada (por exemplo,
siderurgia, papel, borracha, metais não-ferrosos).
A expansão da oferta de infra-estruturas é igualmente crítica,
notadamente nas áreas de transportes, portos e energia. O desafio
é o modo de alavancar os escassos
recursos orçamentários para efetuar esses investimentos sem
comprometer as metas fiscais.
Considerada a urgência, não se
deveria aguardar a morosa aprovação e posterior regulamentação
da PPP (Parceria Público-Privada). Com efeito, a PPP precisará
ser discutida e negociada no Senado em termos compatíveis com
as leis de Responsabilidade Fiscal,
de Permissões, de Concessões e de
Licitações.
Há uma alternativa consistente
com o arcabouço de leis vigentes
que deveria ser imediatamente
explorada: trata-se da técnica do
"project finance". Essa modalidade de financiamento ganhou corpo após os anos 70 com a sua
bem-sucedida aplicação à exploração dos campos de petróleo no
mar do Norte. Nos anos 80 e 90,
sua utilização foi estendida a projetos de energia, transportes e a
grandes projetos de exploração
mineral em países desenvolvidos
e em desenvolvimento.
No caso brasileiro, algumas experiências foram bem-sucedidas
(por exemplo, projetos de exploração de petróleo, como o Campo
de Marlim, a Linha Amarela e a
Hidrelétrica de Manso). É indispensável criar e reforçar garantias e reduzir riscos para que essa
técnica de financiamento possa
ser rapidamente utilizada sob os
atuais regimes de concessão e licitação. Como o "project finance"
se apóia primordialmente no fluxo de caixa futuro dos projetos,
implica freqüentemente alavancagem elevada e abrange prazos
longos de maturação e de amortização, é fundamental equacionar
os seguintes aspectos: a) fixação
de limites e da forma de participação orçamentária do setor público; b) desenvolvimento de cobertura aos riscos de performance
e de neutralização dos riscos políticos; c) estruturação de condições
viabilizadoras da participação de
investidores institucionais (fundos de pensão) e de bancos privados; d) consolidação institucional
dos regimes de regulação das concessões em algumas áreas (saneamento, especialmente).
Uma conjugação coordenada
de esforços pode viabilizar em
prazo curto o "project finance"
como solução para muitos projetos infra-estruturais. Desde logo,
uma estreita cooperação entre o
Ministério do Planejamento, a
Secretaria do Tesouro e o BNDES
poderia solucionar o problema
das garantias na fase de maior
risco -a de construção/execução
dos projetos. Completadas as
obras, os organismos multilaterais poderiam ser chamados a auxiliar na neutralização dos riscos
políticos e regulatórios que poderiam afetar o desempenho de longo prazo. Reformas legais poderão, mais adiante, aumentar o
conforto para uma participação
mais ativa dos investidores institucionais e do sistema bancário
privado. O desafio está posto ao
governo e ao setor privado: por favor, mexam-se!
Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e
Tecnologia (1985-88).
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