UOL


São Paulo, domingo, 04 de maio de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

VOLTA ÀS AULAS

Curso intensivo da URFJ vai reorientar corpo técnico do banco

BNDES faz reciclagem para virar "desenvolvimentista"

DA SUCURSAL DO RIO

Por considerar que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) passou a maior parte dos anos 90 atuando de forma errada, como se fosse um banco de mercado, a atual diretoria da instituição resolveu fazer uma reciclagem geral no seu corpo técnico.
O objetivo é orientar a atuação do banco para uma política nacional-desenvolvimentista nos moldes da que inspirou as ações da política econômica brasileira entre os anos 50 e 70, baseada no estímulo ou participação direta do Estado no desenvolvimento de setores considerados estratégicos pelo governo, como a indústria siderúrgica, a automobilística e a petroquímica.
Para fazer a reciclagem, o banco estatal contratou o Instituto de Economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), da qual o presidente do banco, Carlos Lessa, era reitor até sair para assumir a presidência do banco estatal.
A UFRJ, que além da ligação com Lessa é considerada um dos principais centros do pensamento econômico de esquerda do país, vai ministrar cursos de quatro meses, em regime de dedicação integral (de segunda a sexta-feira, das 9h às 18h), para quatro turmas de 30 alunos cada.

Experiências históricas
O objetivo, segundo o texto do programa do curso, é "aperfeiçoar a capacitação dos técnicos do BNDES na análise de processos, conceitos e experiências históricas de desenvolvimento, com destaque para a experiência brasileira".
O curso é dividido em seis módulos que discutirão vários aspectos da teoria e da história econômica, com ênfase no estudo da experiência desenvolvimentista brasileira.
A formulação de políticas industriais, tema que chegou a ser um tabu no debate econômico brasileiro nos últimos anos, também é prioridade no curso.
Técnicos do banco que tiveram acesso aos primeiros rascunhos do programa do curso dizem que a ênfase no nacional-desenvolvimentismo era muito mais direta, como se quisesse dizer que a equipe do banco deveria esquecer tudo que havia aprendido até então. Isso foi posteriormente amainado.

Apoio
O sociólogo Hélio Jaguaribe, 79, um dos formuladores da teoria nacional-desenvolvimentista nos anos 50, aprova a mudança de rumo do BNDES. "O nacional-desenvolvimentismo tem aspectos permanentes e outros que precisam ser ajustados à situação histórica internacional", disse.
Para ele, "ficou absolutamente claro, no curso do século 20, que países subdesenvolvidos, sobretudo os de grande população, não podem superar seu subdesenvolvimento sem uma ativíssima intervenção do Estado".
Tanto o presidente Lessa como seu poderoso vice, Darc Costa, assumem totalmente a condição de nacional-desenvolvimentistas. Costa, que foi professor da ESG (Escola Superior de Guerra) por muitos anos e tem o seu pensamento econômico fortemente influenciado por esse período, vem ganhando cada vez mais influência na gestão do banco.
Adversários da atual direção chegam a dizer que ele tem mais poderes do que o próprio Lessa. Além disso, estaria se delineando uma disputa de poder entre Costa e o diretor da estratégica Área de Inclusão Social, Marcio Henrique Monteiro de Castro.

Projetos enquadrados
O planejamento do que deve ser priorizado, uma das características clássicas da intervenção do Estado preconizada no modelo nacional-desenvolvimentista, já está sendo posto em prática nas análises que o Comitê de Crédito do BNDES, formado por seus dez superintendentes de área e pelo chefe de Gabinete da Presidência, estão fazendo para dizer quais os projetos que se enquadram no que o banco estatal considera financiável.
Escolhida a dedo na elite do corpo técnico do banco, a maioria do Comitê de Crédito tem como principal característica a afinidade com o pensamento desenvolvimentista.
Pouco enraizado no corpo técnico do BNDES, o PT, partido no governo, tem apenas um militante histórico no Comitê, o superintendente da Área Social, Paulo Melo.
O diretor da Área Industrial do banco, o também petista Maurício Lemos, dá pistas do que não deverá mais passar na triagem do Comitê. Hotéis que não sejam relacionados a projetos mais amplos de desenvolvimento turísticos, no eixo Rio-São Paulo, por exemplo, e shopping centers encabeçam a lista.

Paralisia
Os críticos da atual gestão do BNDES dizem que o Comitê de Crédito está sendo excessivamente burocrático na análise dos projetos e, por isso, lento. A prova seria o fato de os enquadramentos de novos projetos a serem financiados ter caído 63% em relação ao mesmo período do ano passado.
O diretor Lemos admite que os dois primeiros meses do ano foram de relativa paralisia para o banco estatal. Primeiro, porque a atual diretoria só assumiu depois do dia 15 de janeiro.
Depois, porque a reformulação gerencial tomou até o final de fevereiro. "Agora estamos entrando em velocidade de cruzeiro, em um excelente ritmo", afirmou o diretor.



Texto Anterior: Lições contemporâneas: Câmbio, inflação e crescimento
Próximo Texto: Para vice, banco dará "estímulo governamental"
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.