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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Câmbio, inflação e crescimento
ALOIZIO MERCADANTE
A política monetária em
um regime pleno de metas
de inflação, adotado hoje por 18
países no mundo, tem apenas um
objetivo explícito: a desinflação
gradual da economia. Não busca
manter o câmbio dentro de determinados limites e tampouco garantir o máximo de crescimento
econômico com o mínimo de inflação. No entanto, os bancos centrais consideram que essas variáveis devem ser monitoradas e preservadas sempre que não colidam
com os limites do objetivo principal e explícito.
O Banco Central brasileiro (BC)
adotou o regime pleno de metas
de inflação num único lance em
junho de 1999, em um esforço de
conter os efeitos inflacionários do
colapso da política de sobrevalorização do real, adotada de julho
de 1994 a janeiro de 1999 e que
acabou em uma maxidesvalorização imposta pelo mercado.
A política de sobrevalorização
do real teve efeitos profundos e
disruptivos sobre a economia brasileira. Naquele período, os saldos
comerciais anuais do país se deterioram rapidamente, passando
de um superávit de US$ 10,4 bilhões em 1994 para um déficit de
US$ 6,6 bilhões em 1998, enquanto o déficit de transações correntes escalava de US$ 1,7 bilhão para US$ 33,4 bilhões. Isso significou
imensa exportação de empregos
para nossos parceiros comerciais
e também quebra de vários elos
das cadeias produtivas da indústria.
O aumento das necessidades de
financiamento externo da economia e a manutenção do câmbio
sobrevalorizado favoreceram o
ingresso de capitais voláteis, que
entravam no país sob o porto seguro do câmbio semifixo para arbitrar as significativas diferenças
entre os juros reais internos e externos. Em um contexto de instabilidade financeira internacional,
isso exigiu sucessivos choques de
juros a cada crise de países emergentes que contaminava nossa
economia, dada a fragilização externa inerente a essa abordagem.
Esta é uma lição que não se deve perder de vista: a apreciação
da moeda pode ser muito efetiva
na redução da inflação, mas desastrosa se perdurar por muito
tempo. Esse é o monitoramento
necessário na situação atual da
economia brasileira. O fascínio
da desinflação via sobrevalorização custou ao país uma pesada
herança de baixo crescimento,
desnacionalização da economia e
vulnerabilidade externa. E tal
vulnerabilidade ainda é o principal problema a ser superado para
realizarmos uma transição de um
regime de baixo crescimento para
outro de crescimento sustentado.
A economia brasileira tem realizado um notável esforço de ajuste externo, conseguindo expandir
o saldo da balança comercial ainda dentro das condições de financiamento extremamente restritivas que prevaleceram no ano passado, quando a taxa de rolagem
dos débitos contraídos no exterior, inclusive a renovação de créditos comerciais, caiu a níveis sem
precedentes. E, ao contrário do
que sucedeu na maior parte de
2002, o superávit comercial obtido até abril deve-se basicamente
à expansão das exportações, que
aumentaram 24,7%, enquanto as
importações praticamente não se
alteraram.
O aumento do superávit comercial permitiu reduzir o déficit nas
transações correntes do balanço
de pagamentos, que caiu para
US$ 4,3 bilhões nos 12 meses fechados em março passado, acentuando sua trajetória de queda
durante o primeiro trimestre do
corrente ano. Esse é o caminho
para a redução da vulnerabilidade externa, o ponto crucial a ser
equacionado para permitir a volta ao crescimento econômico e à
geração de empregos.
A seriedade com a qual o novo
governo tem conduzido o processo de transição -desarmando
progressiva e cuidadosamente a
crise econômico-financeira herdada com uma gestão competente da equipe econômica e assegurando a governabilidade mediante a ampliação de sua base
de sustentação parlamentar e a
adoção de uma política de participação dos diversos segmentos
da sociedade brasileira- tem sido fundamental para permitir a
queda do dólar e do risco-país,
que já voltou aos patamares do
primeiro trimestre de 2002.
A diminuição da cotação do dólar foi importante para reduzir a
pressão sobre as dívidas das empresas e, em especial, sobre a dívida pública, fortemente afetada,
em 2002, por sua crescente indexação ao dólar e pela escalada da
taxa de câmbio. Também possibilitou a inversão da trajetória inflacionária, cuja aceleração nos
últimos meses de 2002 e no início
de 2003 também deveu-se fundamentalmente aos impactos da
desvalorização cambial. A inflação já começou a cair e agora,
com a redução de alguns preços
públicos ligados aos preços externos do petróleo, tende a se consolidar essa tendência.
Assim como atuou nos momentos de alta especulativa do dólar,
o BC dispõe de meios para corrigir a excessiva valorização e a volatilidade do câmbio, principalmente quando provocadas pela
repentina entrada ou saída de capitais de curto prazo. De acordo
com as circunstâncias, pode, por
exemplo, comprar divisas com
fins de estabilização do mercado
cambial e recompor reservas,
mesmo que com fluxos de curto
prazo, para poder agir mais
adiante, reduzindo a volatilidade
da taxa de câmbio; ou utilizar
instrumentos tributários para
melhorar a qualidade dos fluxos
de capital e ampliar a entrada do
investimento produtivo; ou, principalmente, reduzir progressiva e
consistentemente as taxas de juros, para estancar a raiz desse
surto de sobrevalorização.
Não está demais insistir em que
a expansão do superávit comercial é fundamental em toda essa
estratégia de descolamento da
economia brasileira da roleta das
instabilidades dos fluxos financeiros internacionais. Para isso é
preciso implantar uma política
firme de promoção de exportações, articulando as centenas de
instituições que têm interface nessa questão. Também é essencial
recuperar a capacidade de formulação e implementação de políticas industriais, principalmente
realizando uma substituição focalizada de importações, para reduzir déficits comerciais em setores-chave da economia. Vale ressaltar que instaurar um regime
de crescimento sustentado, no
marco de um processo que tem no
social o eixo estruturante do desenvolvimento, é, afinal, a meta
mais substantiva da política econômica do governo Lula.
Aloizio Mercadante, 48, é economista e
professor licenciado da PUC e da Unicamp, senador por São Paulo, secretário
de Relações Internacionais do Partido
dos Trabalhadores e líder do governo no
Senado Federal e no Congresso.
E-mail: mercadante@senador.gov.br
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