|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
RECEITA HETERODOXA
Para Ivoncy Ioschpe, governo não está construindo uma política de redução da dependência externa
Crise cambial está a caminho, diz empresário
GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.
Para o empresário Ivoncy
Ioschpe, 63, presidente do Iedi
(Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), o Brasil está caminhando em direção a
uma nova crise cambial. Ele considera um erro o país acreditar
que pode recuperar a credibilidade externa com a queda do dólar.
O que irá fazer o país ganhar
credibilidade, diz Ioschpe, é a redução da dependência externa do
país. Nesta entrevista, Ioschpe fala
em nome do Iedi, um instituto de
pesquisas mantido por grandes
empresários da indústria país.
Entre eles, Paulo Cunha, do grupo
Ultra, Eugênio Staub, da Gradiente e eleitor de primeira hora do
então candidato Lula, e Josué Gomes da Silva, da Coteminas e filho
do vice-presidente José Alencar.
Ioschpe não poupou críticas ao
presidente do BC, Henrique Meirelles, por ter dito que ainda há espaço para a queda do dólar. "O
BC foi de uma irresponsabilidade
muito grande ao dizer isso."
Folha - A que o sr. atribui esse otimismo na economia?
Ivoncy Ioschpe - Há uma percepção de que o problema externo no
Brasil está em vias de pleno equacionamento. O que me preocupa
é que essa conclusão se dá a partir
de uma leitura equivocada.
As pessoas acham que a queda
do dólar é o maior sinal do aumento da credibilidade externa. O
presidente do BC não poderia ter
dito que ainda há espaço no país
para mais redução do dólar. O BC
foi de uma irresponsabilidade
muito grande ao dizer isso.
Folha - Qual seria o câmbio ideal?
Ioschpe - Não quero discutir o
valor do câmbio. Ele tem de ser o
necessário para viabilizar um saldo da balança comercial suficiente para o Brasil pagar a conta do
balanço de pagamentos.
Isso só se faz de uma maneira:
pela redução da dependência externa. A credibilidade do Brasil só
irá ocorrer quando conseguir reduzir a dependência externa.
O nosso objetivo no Iedi não é
fazer uma crítica, mas um alerta.
Esse alerta fizemos muitas vezes
ao governo FHC, e infelizmente
não fomos ouvidos.
Folha - O câmbio, no patamar
atual, já prejudica as exportações?
Ioschpe - O câmbio atual está inviabilizando os contratos de exportação. Os empresários já estão
começando a perder contratos de
exportação em diversos setores.
Neste momento, começou a comercialização da safra agrícola.
Os agricultores, que compraram
boa parte de seus insumos a um
câmbio a R$ 3,80, vão ter que vender a produção agora a um câmbio a R$ 3. O agricultor vai exportar com prejuízo. E o que irá acontecer no ano que vem? O agricultor vai encolher a safra.
Folha - O Banco Central deveria
interferir no câmbio?
Ioschpe - A interferência no
câmbio não é um direito, mas
uma obrigação do Estado. Se não
interferir, a autoridade estará se
omitindo. Todos os países do
mundo intervêm no câmbio.
Da mesma forma que o Copom
se reúne para interferir nos juros,
o BC também tem a obrigação de
reduzir a dependência externa do
país. Essa política é tão séria
quanto a de combate à inflação.
Folha - Mas os indicadores econômicos do país estão melhores.
Ioschpe - Qualquer efeito da má
colocação da moeda não irá ser
sentido no primeiro momento,
mas quatro ou cinco meses depois. Por outro lado, o que fez subir o dólar no ano passado não foi
a falta de credibilidade no país,
mas as dúvidas do mercado financeiro internacional se Lula iria
ou não cumprir os acordos. E é
claro que essa alta criou uma onda inflacionária.
Evidente que no momento em
que o BC deseja derrubar a inflação rapidamente, a queda do
câmbio beneficia esse processo.
Porém, não resolve o problema.
Seria muito mais lógico manter o
câmbio numa faixa mais alta. Se
tentarmos resolver o problema da
inflação via câmbio, poderemos
ter uma nova crise cambial.
Só existe uma política de fato
para evitar uma nova crise cambial, que é a de redução da dependência externa. E isso não se realiza em três ou seis meses, mas sim
em uma década.
Folha - A queda da inflação não
propicia a redução dos juros?
Ioschpe - As autoridades já estão
convencidas da necessidade de
baixar os juros, seja para as empresas ou para os indivíduos. Estamos operando com uma das
maiores taxas de juros que já houve na história do país. A consequência é o aumento do desemprego e o achatamento do mercado interno.
Câmbio livre não quer dizer que
ele pode variar erraticamente de
zero a cem. A autoridade monetária tem obrigação de administrar
a variação do câmbio para que ele
se mantenha numa faixa que
mantenha a política de superávit
comerciais elevados.
Está entrando no país dinheiro
de curto prazo dos especuladores,
mas todos sabemos que esse dinheiro será o primeiro a sair.
Folha - Mas o risco-país tem baixado bastante.
Ioschpe - O risco-país não aumentou pelas contas básicas do
país. Ele deu um salto durante o
período eleitoral por uma questão
política. Uma vez que os mercados verificaram que a questão política não mudou o cenário nacional, o risco-país voltou ao patamar que estava. Agora, na primeira crise internacional de liquidez,
vamos ter dor de barriga. Não estamos construindo uma política
consistente de longo prazo de redução da dependência externa.
Se o mercado notar que você
precisa aumentar sua dívida para
fazer frente a suas obrigações, você está de novo numa situação de
forte dependência externa. O Brasil precisa perseguir, nos próximos dois ou três anos, saldos comerciais que possam pagar tudo
isso. Nós vamos levar oito ou dez
anos para equilibrar essa situação.
Folha - Lula está iludido?
Ioschpe - Eu sinto que Lula sentiu, logo que assumiu o governo, a
necessidade de mostrar credibilidade, e foi induzido a acreditar
que essa credibilidade se daria se
ele conseguisse reverter o risco
Brasil. Dessa forma, recursos começariam a entrar no país. Na
verdade, isso acontece. Só que é
com recursos da especulação. O
mais correto seria Lula comandar
um processo para o país criar
condições para alcançar os fortes
superávits comerciais.
Imaginamos que o Brasil não
deveria ter superávits menores do
que US$ 18 bilhões ao ano. Em
2002, conseguimos US$ 13 bilhões, mas não podemos nos basear nesse resultado.
Precisamos aumentar nossas
exportações e nossas importações, para aumentarmos os investimentos. Em 2002, as exportações cresceram apenas 3%, e as
importações caíram 15%.
Folha - Em quanto tempo teremos crise cambial?
Ioschpe - Não acho que venha no
curto prazo, mas se o país persistir nesse erro, já vimos o filme antes. O fim será uma crise cambial.
A política do Gustavo Franco levou quatro anos para sofrermos a
primeira crise cambial. Depois
dessa primeira crise, vivemos
mais três crises seguidas.
Texto Anterior: Para estudioso, credor brasileiro é um dos menos protegidos do mundo Próximo Texto: Mercados e serviços: Retardatários do IR engordam caixa do fisco Índice
|