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São Paulo, domingo, 04 de maio de 2003

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ENTREVISTA

Pai do Consenso de Washington sugere que governo comece a pensar em reduzir os juros e a limitar "real forte"

País deve taxar capital volátil, diz Williamson

Bel Pedrosa - 16.ago.99/Folha Imagem
O economista John Williamson, pai do Consenso de Washington


DE WASHINGTON

O economista John Williamson, 65, ideólogo das políticas liberais do Consenso de Washington, defende que o Brasil adote taxas restritivas à entrada de capitais voláteis no país para evitar a valorização do real.
""Uma das grandes ironias dos anos 90 é que países que tinham fabulosas equipes econômicas acabaram tendo problemas de tempos em tempos. A razão disso? O mercado gostou tanto que acabou colocando dinheiro demais lá dentro", afirma.
""Se o dólar cair muito mais no Brasil, não poderemos falar de um "boom" de exportações", diz.
Williamson é membro sênior do IIE, um dos mais influentes celeiros de idéias dos EUA. Ele já atuou como conselheiro do FMI e do Tesouro inglês e foi economista-chefe para o sul da Ásia no Banco Mundial, entre 1996 e 99.
Depois cunhar o famoso termo que norteou, a partir de 1989, as reformas na América Latina, Williamson volta ao tema com um novo livro.
""After the Washington Consensus - Restarting Growth and Reform in Latin America", com lançamento previsto nos EUA para o próximo dia 12, resume as novas recomendações para a região.
""Não se trata mais de ser pró ou contra o Consenso de Washington, mas de avançar nas reformas necessárias", disse Williamson à Folha em Washington, na sede do Instituto de Economia Internacional. Leia a entrevista:
(FERNANDO CANZIAN)
 
Folha - Do seu livro, qual a principal recomendação serve ao Brasil neste momento?
John Williamson
- A prevenção contra crises futuras. E acho que a equipe brasileira está tomando uma atitude perigosa ao tentar agir da maneira como fazem os ministros das Finanças do G-7 (os sete países mais ricos do mundo), que dizem não ter um valor específico para a taxa de câmbio.
Eles estão se deixando muito abertos para a entrada de capital e isso pode sobrevalorizar o câmbio novamente, com consequências para o atual boom no setor exportador.
Concordo com o presidente do Banco Central brasileiro de que ainda há algum espaço para a apreciação do real. Mas veja bem: rapidamente a moeda já caiu de quase R$ 4,00 para R$ 3,00 por dólar. Se cair muito mais, não poderemos falar mais em um salto nas exportações.
Em algum ponto desse caminho, seria muito mais inteligente limitar essa apreciação.
Seria interessante pensar mais seriamente em cortar os juros daqui a pouco, mantendo apertada a política fiscal. Embora a principal prioridade ainda deva ser o controle da inflação, há uma boa chance de que esse risco diminua consideravelmente em dois meses, abrindo espaço para um corte nos juros de forma a prevenir uma apreciação muito forte do real.
Essa é uma política que pode ser combinada com uma compra de dólares pelo Banco Central para fortalecer as reservas. Talvez também sejam necessárias medidas para controlar a entrada de capital de curto prazo.

Folha - Como? O sr. defende taxas sobre o capital volátil de curto prazo?
Williamson
- Sim, taxas. Já vimos situações como essas antes em vários lugares. Os mercados ficam entusiasmados com uma equipe econômica que parece estar funcionado e acabam colocando dinheiro demais nesses países. Uma das grandes ironias dos anos 90 é que os países que tinham fabulosas equipes econômicas acabaram tendo problemas de tempos em tempos. A razão disso? O mercado gostou tanto que acabou colocando dinheiro demais. A conclusão é que alguns medidas devem ser adotadas para prevenir que isso aconteça de novo.

Folha - O sr. chega a ser favorável a medidas não-ortodoxas, como o controle efetivo da taxa de câmbio?
Williamson
- Acho complicado e perigoso gerenciar uma taxa de câmbio. Não acho que devemos voltar a isso. Há o instrumento tradicional que é a taxa de juros e, como disse, pode-se adotar algum tipo de taxa sobre o capital, dependendo das circunstâncias.

Folha - A equipe comandada pelo ministro Antonio Palocci (Fazenda) diz diariamente que não se deve fazer nada a respeito do dólar.
Williamson
- Eu sei. Por isso é que estou expressando a você a minha preocupação com o Brasil.

Folha - Em seu novo livro, o sr. reconhece que a América Latina fez muitas reformas, mas que precisa ir adiante. O diretor-gerente do FMI, Horst Köhler, disse esta semana que as reformas na região são ""inconsistentes". Como convencer esses países depois de uma década de estagnação, apesar das reformas?
Williamson
- Não é mais um caso de reformas ou não reformas. É preciso olhar individualmente para cada uma das reformas e se perguntar se o país estaria melhor ou pior sem elas. É preciso reconhecer que o Brasil está melhor depois de ter estabilizado a inflação, privatizado vários setores e ter realizado outras mudanças importantes. Não se trata mais de ser pró ou contra o Consenso de Washington, mas de avançar e discutir as novas reformas necessárias.
Temos de reconhecer que a década passada foi muito difícil. Isso quer dizer que a América Latina estaria melhor se não tivesse feito essas reformas? Não acredito.

Folha - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva entregou ao Congresso esta semana um pacote de novas reformas. Nele, há itens a respeito dos quais o PT sempre se opôs durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Na sua opinião, Lula passou a acreditar na importância delas ou foi convencido à força pelo mercado financeiro internacional?
Williamson
- O velho ditado diz que a maneira com que você se comporta depende de onde você está sentado. Me parece que esse seja o caso perfeito para o presidente Lula. Com a responsabilidade do poder, ele deve tentar consolidar um ajuste fiscal no país. E parece natural que pessoas que recebem aposentadorias desproporcionais se apresentem como alvos naturais de reformas.
Ele tem chances de aprovar as medidas agora. O fato de parte do PT não concordar, não muda o quadro geral. E o importante é que o PSDB fechou questão em não atuar como o PT vinha se comportando.

Folha - Muitas pessoas acreditam que embora tenha sido FHC quem lançou as bases reais para a economia brasileira, é Lula quem tem agora a grande chance de levar o prêmio.
Williamson
- É uma interpretação bastante razoável. E creio que Fernando Henrique tem estatura suficiente para aceitar esse fato e não se incomodar muito com isso. Desde que o Brasil realmente mude.

Folha - Há em seu novo livro, assim como no primeiro Consenso, uma defesa de políticas sociais. Desta vez, a ênfase é ainda maior na focalização e em uma tentativa de fazer com os mais pobres melhorem sua condição sozinhos. De onde tirar o dinheiro?
Williamson
- A idéia é dar às pessoas mais pobres acesso a bens para que possam se sustentar sozinhas no futuro.
Não somos contra usar o sistema tributário do modo tradicional para ajudar mais a quem precisa, mas isso não parece ser suficiente. As pessoas que chegam à universidade, por exemplo, normalmente são as que já têm alguns privilégios econômicos. É razoável que elas paguem por sua própria educação. Não se trata de tirar o dinheiro do ensino superior, mas esperar que os mais beneficiados dêem algum tipo de contribuição. A reforma da Previdência também deveria ter o mesmo objetivo.


""After the Washington Consensus - Restarting Growth and Reform in Latin America", editado por John Williamson e Pedro-Pablo Kuczynski. Institute for International Economics (www.iie.com). US$ 30,00 nos EUA.


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