|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
EM TRANSE
Para especialista, negociações do Brasil misturam elementos de acordos feitos com Rússia e Coréia do Sul no passado
Novo acordo deve abrir precedente no FMI
MARCIO AITH
DE WASHINGTON
Ditadas pela crise econômica e
pelo compasso eleitoral, as negociações entre o FMI (Fundo Monetário Internacional) e o governo brasileiro deverão abrir um
precedente na instituição e serão
lembradas como uma espécie de
mistura entre o caso sul-coreano
de 1997 e o da Rússia em 1996.
Essa é a opinião de Paul Blustein, 50, jornalista do "The Washington Post". Blustein escreveu o
livro "The Chastening - Inside the
Crisis that Rocked the Global Financial System and Humbled the
IMF" (O Castigo - Por Dentro da
Crise que Abalou o Sistema Financeiro e Humilhou o FMI), ainda não lançado no Brasil. O livro
trata do fracasso dos programas
de ajuste do Fundo durante as crises na década de 90.
Em fevereiro de 1996, cinco meses antes das eleições presidenciais que derrotaram os comunistas e reelegeram o presidente Boris Ieltsin, o FMI fechou com o
Kremlin um programa de ajuda
no valor de US$ 10 bilhões, com
duração de três ano, sem pedir
autorização nem sinalização aos
candidatos de oposição. Ieltsin
era o candidato da Casa Branca e
acabou ganhando as eleições.
Em dezembro de 1997, o FMI e o
governo norte-americano só autorizaram o novo programa na
Coréia do Sul depois que o principal candidato de oposição, Kim
Dae Jung, disse que apoiaria os
termos do novo acordo. Dae Jung
era o candidato da Casa Branca e
ganhou as eleições.
"O caso brasileiro vai ficar entre
os dois. O que está sendo feito é
muito inteligente. Está havendo
uma concordância vaga dos candidatos, e, com base nela, o Fundo
está avançando nas negociações",
disse Blustein, em entrevista à Folha. "Se, depois, os candidatos
não quiserem aceitar o acordo, serão culpados pelo colapso dos
mercados. É uma espécie de
chantagem, muito refinada."
Leia a seguir os principais trechos das entrevista:
Folha - Qual precedente do FMI
lhe vem à cabeça quando analisamos as atuais negociações do Fundo com o governo brasileiro?
Paul Blustein - Talvez o da Rússia em 1996, mas também há elementos do caso sul-coreano. Como no caso russo, o programa
brasileiro deverá ser concluído
sem a concordância dos candidatos a presidente. Houve polêmica
na época.
O FMI acabou sendo acusado
de ajudar Ieltsin a derrotar os comunistas - o que, acredito, foi
parte da motivação. Ieltsin pôde
usar esse dinheiro para pagar salários e empréstimos atrasados e
suavizar os problemas sociais.
Ganhou as eleições.
Folha - É o que você prevê para o
Brasil?
Blustein - Sim, mas com uma pequena diferença. Se uma acordo
for anunciado sem a consulta aos
candidatos, Lula e Ciro Gomes terão motivos fortes para atacá-lo e
denunciar as negociações como
ilegítimas. O que está sendo feito é
muito inteligente.
Está havendo uma concordância vaga dos candidatos e, com base nela, o Fundo está avançando
nas negociações. Se, depois, os
candidatos não quiserem aceitar
o acordo, serão culpados pelo colapso dos mercados.
Folha - Isso se parece com uma
chantagem...
Blustein - E é uma espécie de
chantagem, muito refinada. Minha sugestão é a de que o governo
- Malan, Fraga e Cardoso-
pensou nisso tudo. Você pode dizer que é uma maneira suja de
prosseguir, mas, por outro lado,
essa escolha dá ao povo brasileiro
opções claras. E, também, aos
candidatos. Eles aceitam as condições do acordo ou as consequências do colapso.
Folha - No caso russo, como é que
os dirigentes do FMI justificaram
concluir um programa sem a autorização dos candidatos?
Blustein - Anos depois, entrevistei Stanley Fischer [antigo vice-diretor-gerente do FMI" para escrever meu livro. Ele justificou o empréstimo à Rússia usando o raciocínio de que, se os comunistas fossem eleitos, teriam a escolha de ficar com o programa ou não. Os
mesmos termos funcionariam
para quem fosse eleito - os comunistas ou Ieltsin. Foi engenhoso e imagino que é o que deva ser
feito no Brasil.
Folha - Naquele caso, também
tratava-se de um novo programa
com implicações para a administração do presidente eleito?
Blustein - Claro. Era um novo
acordo, que teria um prazo de três
anos. A Rússia tinha acabado de
concluir seu programa anterior,
de 1995 ("stand by"), e, apesar dos
escândalos com relação ao uso do
dinheiro do Fundo, conseguira
cumprir todas as condições.
Folha - O FMI fixou metas e condições para um governo que nem conhecia ainda?
Blustein - Incrível, mas conseguiu. Lembro-me de que havia a
previsão de um déficit fiscal decrescente de 4% sobre o PIB [Produto Interno Bruto] em 1996, 3%
em 1997 e 2% em 1998. Os três primeiros anos do futuro governo.
Ieltsin acabou ganhando e não
cumpriu nenhuma das metas. A
teoria era a de que, se os comunistas ganhassem e decidissem não
cumprir as metas, o FMI suspenderia o programa. Não é o que
aconteceu com Ieltsin.
Folha - Como foi a concordância
no caso da Coréia do Sul?
Blustein - Um primeiro acordo
foi fechado no dia 3 de dezembro
de 1997, quinze dias antes das eleições. Naquele momento, Michel
Camdessus [então diretor-gerente do Fundo" obteve uma promessa muito vaga do candidato
Kim Dae Jung e do outro candidato. Eram tão vagas que, no mesmo
momento, Dae Jung dava entrevistas na imprensa criticando o
acordo e dizendo que renegociaria seus termos.
Esse programa fracassou por
outros motivos e, horas depois
das eleições, quando já se sabia
que Dae Jung venceria, o presidente eleito deu o sinal verde para
outra negociação com o FMI.
Texto Anterior: Saiba mais: Indicador reflete desequilíbrio Próximo Texto: Gafes de O'Neill desestabilizam América Latina Índice
|