|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS
Substituição de importações ainda é insuficiente no Brasil
GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA
A morte prematura do economista Rudiger Dornbusch praticamente coincidiu
com os desvarios especulativos
do mercado cambial brasileiro,
que chegaram ao extremo na semana passada. Curiosamente, o
macroeconomista tornou-se
uma referência acadêmica internacional depois que elaborou
um modelo de "overshooting".
Essa é mais uma dessas palavras do economês que podem
ser traduzidas de muitas formas,
mas que caem bem mesmo em
inglês. É um ajuste excessivo no
preço de um ativo, uma aposta
tão intensa e obsessiva dos especuladores num movimento dos
preços em determinada direção
que, na prática, o próprio movimento se cancela e esses preços
voltam ao "normal".
Na semana passada, o dólar
passou de R$ 3,60, mas fechou
cotado a R$ 3. Houve oscilações
da ordem de 10% num só dia. O
dólar disparou para cima e depois caiu praticamente com a
mesma intensidade.
O modelo do "overshooting"
descreve uma anomalia, algo irracional que parece jogar por
terra o ideal de mercados livres.
A idéia de auto-ajuste, no entanto, continua presente. É como se
a irracionalidade fosse capaz de
se corrigir e se mostrar, "no final
das contas", algo racional.
Um dos resultados dessa visão
heterodoxa que no fundo é rigorosamente ortodoxa é a crença
na liberalização de preços, especialmente da taxa de câmbio, como remédio para sistemas instáveis. O modelo tem sido aplicado não só aos efeitos das expectativas sobre a taxa de câmbio,
mas também aos efeitos da variação cambial sobre o saldo no
comércio exterior de um país.
Em sua versão mais simples, o
modelo macroeconômico tradicional sugere que a desvalorização cambial, encarecendo as importações no mercado doméstico e barateando as exportações
nos mercados externos, ajuda o
país a gerar um saldo comercial.
Ora, se a desvalorização cambial produz esse saldo e contribui para trazer mais dólares ao
país, o resultado é menos escassez de dólares e, assim, a valorização da moeda local. Novamente um desequilíbrio do preço (a taxa de câmbio, que mostra o preço da moeda nacional
frente à internacional, desvalorizada) traz embutida a correção
do desequilíbrio (o saldo comercial anula o desajuste inicial).
A crença na flexibilidade desses movimentos pendulares é a
essência do pensamento econômico mais convencional. A visão crítica alerta para tudo o que
não se resolve e pode até piorar
quando os preços oscilam ao sabor desses movimentos aparentemente autocorretivos.
É o caso da economia brasileira, hoje. Desde o fim da âncora
cambial, a desvalorização do
real em tese serviu para estimular exportações e promover a
substituição de importações.
Mas, três anos e meio depois do
colapso da âncora, o saldo no
comércio exterior é insuficiente
e seria ainda menor não estivesse o país metido numa onda recessiva (produção e renda caem,
derrubando as importações).
Entre os interessados no exame da situação brasileira dessa
perspectiva crítica está o Iedi
(Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), que
publicou um estudo mostrando
que o câmbio desvalorizado não
garante a correção do desajuste
que lhe deu origem (na internet:
http://iedi.org.br/index20020730.htm).
Para o Iedi, só a promoção de
exportações e a substituição de
importações podem gerar resultados que a dinâmica do mercado cambial, com ou sem "overshooting", é incapaz de trazer.
É o que países como a Coréia
do Sul sempre fizeram. É o que o
governo brasileiro mal começou
a fazer.
Texto Anterior: Análise: Especulação ajuda sobe-e-desce do dólar Próximo Texto: Opinião econômica - Rubens Ricupero: Relembranças Índice
|