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RECEITA ORTODOXA
Melhora dos fundamentos é apontada como razão principal para país dispensar renovação com o FMI
Brasil não precisa de acordo, dizem analistas
SANDRA BALBI
DA REPORTAGEM LOCAL
Nunca se viu tanta unanimidade: de banqueiros a industriais,
passando por economistas de várias tendências, consultados pela
Folha, todos afirmam que o Brasil
não precisa mais manter um
acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional).
Alguns, porém, acreditam que,
apesar de o país poder andar com
as próprias pernas, é bom manter
um escudo protetor contra eventuais turbulências. "As reservas
internacionais do país, apesar de
terem melhorado muito, ainda
são baixas; o Fundo é um mecanismo de segurança para neutralizar os efeitos de choques externos", diz Armando Monteiro Neto, presidente da CNI (Confederação Nacional da Indústria).
O atual acordo acaba no final do
ano, mas só a partir de março de
2005 o governo terá de definir sua
relação com o Fundo. A discussão, porém, já está na mesa. Na
sexta, o diretor-gerente do FMI,
Rodrigo Rato, reuniu-se em Brasília com o ministro da Fazenda,
Antonio Palocci Filho, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O governo ainda não tem uma
posição definida. Mas a torcida
dos analistas já se organiza. "É
bom não ter um novo acordo,
pois isso mostrará que a economia está em ordem e que as políticas atuais são do país, não do Fundo", diz Luiz Fernando Figueiredo, diretor de Política Monetária
do Banco Central no governo Fernando Henrique Cardoso.
Figueiredo é sócio do ex-presidente do BC, Armínio Fraga, na
Gávea Investimentos. Segundo
ele, no final do ano passado,
quando foi feita a última renovação, Fraga já dizia que o Brasil não
precisava do acordo.
Para Raul Velloso, especialista
em finanças públicas, o Brasil não
precisa nem do dinheiro nem do
aval do Fundo à política macroeconômica. As contas externas ganharam solidez com os elevados
saldos comerciais e o país tem hoje um superávit de US$ 6,8 bilhões
nas transações correntes (que inclui todas as operações de bens e
serviços com o exterior). "A situação está muito folgada", diz.
Em 2002, quando foi assinado o
atual acordo, o país tinha um déficit de US$ 7,7 bilhões nas transações externas e dificuldades de se
financiar. O fluxo de capitais para
os emergentes havia encolhido e,
no caso do Brasil, secara devido à
proximidade das eleições. Agora,
segundo Velloso, há um quadro
de liqüidez internacional e os resultados da política econômica
dão credibilidade ao país e dispensam o aval do Fundo.
Ajuste externo
O sucesso do ajuste externo foi
"tão estrondoso", segundo Octávio de Barros, economista-chefe
do Bradesco, que "o Brasil mostrou que tem condições de andar
sozinho, sem o FMI".
Outro indicador positivo é o nível das reservas internacionais líqüidas (sem o dinheiro do FMI).
Hoje, estão cerca de US$ 10 bilhões acima do patamar de janeiro de 2003, quando Lula assumiu.
Também é conseqüência dos saldos comerciais crescentes.
Os analistas apontam outros
avanços significativos nas contas
públicas. "A relação dívida/PIB,
um dos indicadores de solvência
de um país, que, em 2003, estava
em 58,7%, caiu para 55% em julho", diz Barros.
O principal problema apontado
pelos economistas que são contra
a renovação é a relação custo/benefício de manter a relação. "O
preço de um acordo com o FMI é
muito alto, o país perde a autonomia para conduzir sua política
econômica", diz Fernando Cardim, professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Tais amarras, segundo ele, são
um problema, pois, se o governo
quiser reorientar sua política, como rever a meta de superávit primário, terá de negociar com o
Fundo. "Se ocorrer uma crise
cambial e estivermos atados ao
FMI, só haverá uma saída: subir
os juros", diz Cardim.
Poucos acreditam, entretanto,
que sem o FMI ocorram mudanças tão radicais. "Com ou sem o
FMI, o governo vai manter a disciplina fiscal, vai perseguir o superávit primário, buscar convergência da inflação para as metas e fazer superávit comercial. Essa política é a política do governo, não
do FMI", afirma Renato Raglione,
sócio da MS Consult.
Nessas condições, é melhor
manter o acordo e ter um "cheque
especial" à disposição para eventuais turbulências externas, diz.
Em defesa da renovação do
acordo, Gabriel Jorge Ferreira,
presidente da CNF (Confederação Nacional das Instituições Financeiras), lembra que, pela primeira vez na história, essa discussão ocorre fora de um momento
de crise. "Temos uma memória
negativa dos acordo com o Fundo, pois eles sempre significaram
a adoção de medidas muito duras
e extremas que comprometiam os
programas de governo voltados
para a área social", diz.
Hoje, segundo ele, a economia
vive um bom momento, e a renovação do acordo pode ocorrer
sem pressão. "É possível fazer essa discussão com tranqüilidade e
negociar condições vantajosas, já
que o país não precisaria do FMI."
O governo poderia, por exemplo, negociar prazos e taxas melhores para as parcelas do acordo
que vão vencer, afirma. O país deverá pagar ao FMI US$ 700 milhões em setembro e US$ 915 milhões em dezembro. No próximo
ano vencem US$ 6,7 bilhões e, em
2006, US$ 8,3 bilhões. Em 2007, a
fatura será de US$ 8,6 bilhões.
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