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FRAGILIDADE
Para Otaviano Canuto, há risco de os americanos elevarem juros, o que prejudicaria recuperação brasileira
Déficit dos EUA prejudica Brasil, diz Fazenda
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O déficit nas contas públicas e
externas dos Estados Unidos, se
não for corrigido no médio prazo,
pode prejudicar os países em desenvolvimento, o que afetaria a
recuperação econômica brasileira, segundo o secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, Otaviano Canuto.
O medo da equipe econômica é
que os EUA sejam obrigados a
elevar os juros, para corrigir pressões inflacionárias causadas pela
depreciação do dólar em relação a
outras moedas fortes.
Isso levaria a uma migração de
recursos das economias emergentes para os papéis do governo
americano, em busca de melhor
relação risco/retorno. Como consequência, o real se desvalorizaria
em relação ao dólar, o que poderia forçar o Banco Central a também aumentar os juros.
A tese foi defendida pelo ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) em reunião com ministros
das finanças das nações mais ricas
do mundo, no encontro anual do
FMI (Fundo Monetário Internacional), realizado nos Emirados
Árabes duas semanas atrás.
Canuto disse também que o
Brasil recebeu amplo apoio das
grandes economias desenvolvidas e de muitos países emergentes
para sua proposta de ter maior
participação no Fundo. A única
exceção importante foram os
EUA, que "preferiram permanecer calados".
O Brasil tem hoje somente 1,4%
de participação no Fundo, enquanto a economia do país equivale a 2,2% do produto mundial.
O governo quer que o tamanho da
economia tenha maior peso na
fórmula de cálculo de participação no FMI.
Leia a seguir a entrevista que o
secretário da Fazenda concedeu à
Folha na última quinta-feira.
(LEONARDO SOUZA)
Folha - Qual a importância para o
Brasil aumentar sua participação
no FMI?
Otaviano Canuto - O valor dos
recursos do Fundo guarda, em
princípio, proporcionalidade às
cotas [de participação na instituição]. Os empréstimos do Fundo
são sempre definidos como múltiplos das cotas do país. Assim, o
volume de recursos excepcionais
[além do proporcional à cota] seria menor se o Brasil tivesse participação mais adequada à representatividade de sua economia.
Folha - Muda muita coisa sair de
1,4% de participação para 2,2%?
Canuto - Muda brutalmente,
porque o volume de recursos de
acesso direto dentro do limite da
cota sobe. O custo desse dinheiro
é bem mais baixo do que o dos recursos excepcionais.
Folha - Quais países apoiaram a
proposta brasileira?
Canuto - Várias economias
grandes desenvolvidas e países
emergentes.
Folha - Os EUA se manifestaram?
Canuto - Não, ficaram calados.
Folha - Qual a razão para eles não
terem se manifestado? Havia algum interesse específico?
Canuto - Não, não necessariamente. Você não é obrigado a se
pronunciar sobre todos os temas.
Esperaram provavelmente para
ver para onde vão as discussões.
Folha - Que riscos para a economia global o governo identifica no
déficit americano?
Canuto - O ministro chamou a
atenção para os riscos de uma dependência excessiva da economia
americana, que é a grande locomotiva da economia mundial, para recuperar a economia global.
Os vagões [as demais economias
do Primeiro Mundo] não podem
ficar distantes demais da locomotiva, porque isso tende a exacerbar as dúvidas quanto à posição
do dólar [o dólar vem perdendo
valor em relação às demais moedas fortes]. Europa, Japão e outras
economias asiáticas também têm
de fazer a sua parte.
Se o déficit público americano
continuar a crescer brutalmente
nos próximos anos, isso pode vir
a implicar uma elevação dos juros
reais pagos sobre a dívida pública.
Isso, evidentemente, não seria
uma boa notícia para a economia
mundial.
Folha - Se os EUA tiverem que aumentar a taxa de juros lá, não teríamos que elevar a nossa também?
Canuto - Isso, exatamente. São
alertas nas perspectivas de economias emergentes que o Palocci
colocou para os ministros das finanças do mundo.
Folha - Qual seria o cenário benigno para a economia mundial?
Canuto - Uma desvalorização
gradual do dólar, aí as exportações americanas subiriam e haveria uma correção de seu balanço
de pagamentos [saldo das transações comerciais e financeiras com
os demais países].
Esse cenário será tão mais provável quanto menos haja regimes
de câmbio fixo. A reclamação
americana é que alguns países
asiáticos não estariam permitindo
o ajuste de suas moedas, Japão e
China principalmente [que têm
mantido suas moedas artificialmente desvalorizadas, para que o
preço de seus produtos seja mais
baixo no mercado americano].
A Europa também tende a se
juntar às queixas norte-americanas. Na medida em que o ajuste
do dólar não ocorre em relação às
moedas asiáticas, a intensidade
do ajuste do dólar em relação ao
euro aumenta.
Folha - A Europa é a mais prejudicada porque Japão, China e EUA terão suas moedas mais fracas.
Canuto - Exatamente. Seria mais
fácil para a Europa se o ônus do
ajuste do dólar estivesse dividido
com a Ásia.
Folha - O ministro Palocci e o governo do presidente Lula foram
muito elogiados nos Emirados Árabes. Que balanço o governo fez do
encontro anual do FMI, sob a ótica
do Brasil?
Canuto - Positivo em todos os
aspectos. Positivo em relação à
melhora da percepção de risco do
país, o que significa aumentar as
nossas perspectivas de desenvolvimento sustentável e de voz. A
voz que o Brasil tem hoje certamente é mais alta do que a do ano
passado.
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