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MARCOS LISBOA
Vícios públicos, benefícios privados
Projetos de Estado para o avanço tecnológico ou industrial significam custos públicos para viabilizar ações
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NO COMEÇO do século 20, duas
tecnologias disputavam viabilizar o transporte aéreo;
uma mais pesada que o ar (avião),
outra mais leve (dirigível). Os respectivos processos de desenvolvimento foram, entretanto, bastante
distintos. A depender de uma política industrial de Estado, o transporte
aéreo moderno não existiria. Como
conta o físico Freeman Dyson: "[O]
avião se desenvolveu dos sonhos da
aventura pessoal. O Dirigível se desenvolveu dos sonhos do império"1.
O avião foi aperfeiçoado em um
processo descentralizado: diversos
pequenos empreendedores testaram milhares de variações nas décadas de 20 e 30, a imensa maioria resultando em fracasso; as poucas
inovações bem-sucedidas, copiadas
e difundidas. Estima-se que mais de
100 mil diferentes tipos de avião foram experimentados naquele período. O pequeno tamanho dos aviões
e das companhias que os construíram inicialmente, o baixo custo de
testes, ainda que tragicamente envolvessem vidas, viabilizaram os seguidos experimentos. O lento acúmulo de sucessos resultou no desenvolvimento da aviação moderna.
O dirigível, por outro lado, foi desenvolvido como um projeto de Estado; em geral, com monopólio público e poucas experiências independentes. As metas ambiciosas,
sobretudo na escala dos modelos, e
o compromisso com a rápida conquista da supremacia aérea, ditada
pelo sucesso político, foram apenas
equivalentes à grandiosidade dos
seus fracassos.
Dyson compara o desenvolvimento dos aviões ao processo de seleção natural de Darwin, analogia
presente na economia desde Karl
Marx. Os incentivos ditados pela
economia de mercado estimulam a
competição por meio de inovações
tecnológicas, cujo sucesso, ou fracasso, é de mérito, ou responsabilidade, do empreendedor. O eventual
benefício do (raro) caso de sucesso
provê o estímulo ao esforço de diversos empreendedores independentes. Eventualmente, alguma das
variações revela-se bem-sucedida,
sendo copiada e difundida. "O processo Darwiniano é brutal porque
depende do fracasso."2
A seleção natural em uma economia de mercado significa custos privados de inovação que, ocasionalmente, resultam em benefícios públicos: novos produtos, processos
ou técnicas produtivas, além de menores custos de produção, que, com
o tempo, se transformam em menores preços. O empreendedor é remunerado apenas na medida em
que a sociedade acredite no sucesso
da sua inovação, e esteja disposta a
pagar pela sua aquisição. E essa remuneração é temporária, enquanto
permite a regulação de patentes ou
a dificuldade de copiar a novidade.
Por sua vez, projetos de Estado
para o desenvolvimento tecnológico ou industrial significam custos
públicos para viabilizar ações, e benefícios, privados. Quais os resultados da nossa Lei de Informática?
Quantos novos medicamentos foram desenvolvidos pela antiga
União Soviética, e quantos pela indústria farmacêutica americana?
A coordenação de esforços pode
significar excluir, precisamente, as
razões que permitem o processo
contínuo de melhoria: os incentivos
de mercado e o aprendizado com a
diversidade de tentativas diversas;
resultando em um único, grandioso
e caro fracasso. Sobretudo, quando
quem a conduz não paga, nem ao
menos, parte da conta.
MARCOS DE BARROS LISBOA , 43, foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (governo Lula) e é diretor-executivo do Unibanco. Passa a escrever neste espaço a cada quatro semanas.
1Freeman Dyson; "Imagined World"; Harvard University
Press, 1998, cap. 1
2Dayson (1998), pág. 20
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