São Paulo, domingo, 06 de julho de 2008

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MARCOS LISBOA

Vícios públicos, benefícios privados


Projetos de Estado para o avanço tecnológico ou industrial significam custos públicos para viabilizar ações

NO COMEÇO do século 20, duas tecnologias disputavam viabilizar o transporte aéreo; uma mais pesada que o ar (avião), outra mais leve (dirigível). Os respectivos processos de desenvolvimento foram, entretanto, bastante distintos. A depender de uma política industrial de Estado, o transporte aéreo moderno não existiria. Como conta o físico Freeman Dyson: "[O] avião se desenvolveu dos sonhos da aventura pessoal. O Dirigível se desenvolveu dos sonhos do império"1.
O avião foi aperfeiçoado em um processo descentralizado: diversos pequenos empreendedores testaram milhares de variações nas décadas de 20 e 30, a imensa maioria resultando em fracasso; as poucas inovações bem-sucedidas, copiadas e difundidas. Estima-se que mais de 100 mil diferentes tipos de avião foram experimentados naquele período. O pequeno tamanho dos aviões e das companhias que os construíram inicialmente, o baixo custo de testes, ainda que tragicamente envolvessem vidas, viabilizaram os seguidos experimentos. O lento acúmulo de sucessos resultou no desenvolvimento da aviação moderna.
O dirigível, por outro lado, foi desenvolvido como um projeto de Estado; em geral, com monopólio público e poucas experiências independentes. As metas ambiciosas, sobretudo na escala dos modelos, e o compromisso com a rápida conquista da supremacia aérea, ditada pelo sucesso político, foram apenas equivalentes à grandiosidade dos seus fracassos.
Dyson compara o desenvolvimento dos aviões ao processo de seleção natural de Darwin, analogia presente na economia desde Karl Marx. Os incentivos ditados pela economia de mercado estimulam a competição por meio de inovações tecnológicas, cujo sucesso, ou fracasso, é de mérito, ou responsabilidade, do empreendedor. O eventual benefício do (raro) caso de sucesso provê o estímulo ao esforço de diversos empreendedores independentes. Eventualmente, alguma das variações revela-se bem-sucedida, sendo copiada e difundida. "O processo Darwiniano é brutal porque depende do fracasso."2
A seleção natural em uma economia de mercado significa custos privados de inovação que, ocasionalmente, resultam em benefícios públicos: novos produtos, processos ou técnicas produtivas, além de menores custos de produção, que, com o tempo, se transformam em menores preços. O empreendedor é remunerado apenas na medida em que a sociedade acredite no sucesso da sua inovação, e esteja disposta a pagar pela sua aquisição. E essa remuneração é temporária, enquanto permite a regulação de patentes ou a dificuldade de copiar a novidade.
Por sua vez, projetos de Estado para o desenvolvimento tecnológico ou industrial significam custos públicos para viabilizar ações, e benefícios, privados. Quais os resultados da nossa Lei de Informática? Quantos novos medicamentos foram desenvolvidos pela antiga União Soviética, e quantos pela indústria farmacêutica americana?
A coordenação de esforços pode significar excluir, precisamente, as razões que permitem o processo contínuo de melhoria: os incentivos de mercado e o aprendizado com a diversidade de tentativas diversas; resultando em um único, grandioso e caro fracasso. Sobretudo, quando quem a conduz não paga, nem ao menos, parte da conta.


MARCOS DE BARROS LISBOA , 43, foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (governo Lula) e é diretor-executivo do Unibanco. Passa a escrever neste espaço a cada quatro semanas.

1Freeman Dyson; "Imagined World"; Harvard University Press, 1998, cap. 1
2Dayson (1998), pág. 20


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