|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANÁLISE
Aversão ao risco vai aumentar
JOHN AUTHERS
DO "FINANCIAL TIMES"
NAVEGAR O mercado
requer reconciliar várias dicotomias. No
cerne do drama desta semana,
o pior para as ações do Reino
Unido em seis anos, há um aparente paradoxo.
Os números sobre o emprego
nos EUA divulgados ontem foram terríveis. O desemprego no
país é o mais alto em quase cinco anos. Tentativas de negar
que a maior economia do mundo enfrenta problemas são fúteis, agora.
Mas isso surgiu em um momento de alta do dólar. Desde
que chegou à sua maior queda,
neste ano, a moeda voltou a subir mais de 10% diante de uma
cesta ponderada de divisas.
O colapso da libra foi dramático. Avaliada em US$ 2,10 há
menos de um ano, hoje vale
menos de US$ 1,80.
Explicar como o dólar está se
saindo tão bem quando a economia do país está em eclipse é
crítico para prever de que maneira o mercado pode se comportar no ano que vem.
Os movimentos de mercado
são ditados pelo fluxo de fundos. Caso haja dinheiro fluindo
para um setor, qualquer que seja a razão, seus preços subirão.
Os indicadores mais recentes
dos EUA deflagraram um fluxo
de capital internacional em nova direção. Mas é preciso considerar a situação no contexto.
Desde que a crise de crédito
começou, na metade do ano
passado, a queda das ações vinha sendo contida em parte pela esperança de que outros países dispusessem de certo grau
de isolamento contra os problemas nos Estados Unidos.
A recuperação do dólar começou a se afirmar algumas semanas atrás, quando se tornou
claro que a Europa estava se
contraindo. Ela não se provou
capaz de resistir à desaceleração nos EUA.
Os números de ontem sobre
o desemprego tornam ainda
mais difícil acreditar que os
EUA tenham conseguido preparar uma "aterrissagem suave". Isso significa que devemos
considerar o pior cenário
-uma desaceleração mundial.
Isso elevará a aversão ao risco. Qualquer que seja a aposta,
a probabilidade de que ela propicie lucros será menor, de modo que os investidores correrão
para retirar essas apostas.
No jargão do setor, isso muitas vezes recebe o nome de "desalavancagem": liquidar dívidas. Porque muitos fundos de
hedge vêm usando uma estratégia de "carry trade", tomando
empréstimos em moedas como
o iene e o dólar, com suas baixas
taxas de juros, e investindo dinheiro em lugares com juros
maiores -a redução do risco
envolve retorno dos investidores ao dólar.
Além do mais, o fluxo de fundos dos últimos anos vem sendo esmagadoramente para fora
dos EUA. Segundo a Emerging
Portfolio Fund Research, US$
391 bilhões fluíram para ações
de fora dos EUA entre 2003 e
2007, ante apenas US$ 7,3 bilhões para fundos no país.
Já que tudo começa com uma
aposta assim pesada no mundo
fora dos EUA, a resposta lógica
às mais recentes notícias é vender investimentos em outros
mercados e devolver o dinheiro
aos EUA, quer na forma de
ações que geram muito caixa,
como os bens de consumo, ou
mais provavelmente na forma
de títulos do Tesouro.
Portanto, as notícias terríveis sobre a economia norte-americana tiveram por efeito
enviar mais dinheiro aos EUA e
causar alta do dólar.
Não existe razão para supor
que isso vá parar em curto prazo. Os investidores internacionais continuarão a tender a
operar com dólares, e o processo de deixar para trás o risco
provavelmente terá resultados
positivos para o dólar por ainda
algum tempo.
Em mais um paradoxo, isso
representa má notícia para
quem investe nos EUA. A alta
do dólar com o tempo prejudicará o exportador americano;
além disso, nos longos anos de
declínio do dólar, seus investimentos em ações continuaram
a gerar lucros com base naquilo
que Milton Friedman definiu
como "ilusão monetária". O desempenho das ações americanas, denominadas em dólar,
não parecia mau, enquanto os
retornos das ações internacionais pareciam ótimos.
Os investidores que enviaram dinheiro para o exterior
provavelmente não perceberam que estavam apostando
contra o dólar. Mas isso está se
tornando claro. Desde o pico
das ações mundiais, no final do
ano passado, os investidores
que privilegiam o dólar sofreram perdas de 31,9% nos mercados emergentes e de 25,6%
nos países desenvolvidos, excetuados os EUA. Isso representa
retorno muito inferior ao do índice S&P 500, que caiu 18,7%.
Com o dólar em alta, é quase
impossível para eles ganhar dinheiro com ações.
O oposto se aplica ao investidor que toma a libra como base.
E-mail de leitor perguntava
nesta semana em que momento a queda da libra poderia começar a ser definida como "crise". A libra, em base ponderada,
caiu mais neste ano do que no
final de 1992, quando foi forçada a deixar o mecanismo de taxas de câmbio do Sistema Monetário Europeu, o que significa que a pergunta faz sentido.
Mas a resposta é que não estamos nem perto de uma crise.
Uma verdadeira "crise" cambial ocorre quando um governo
tenta defender uma taxa fixa de
câmbio. Não se sabe se moedas
que flutuam livremente podem
sofrer uma crise. Isso é parcialmente verdade se, como no caso da libra, elas começaram sobrevalorizadas a ponto de prejudicar a economia. Mesmo cotada a US$ 1,78, a libra ainda
não caiu a seu valor justo.
E, para os investidores britânicos, a súbita desvalorização
foi vantajosa. Em libras, o S&P
500 caiu 5% desde o fim de outubro. Os americanos que apostaram no FTSE 100 na mesma
data sofreram perda de 31%.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
Texto Anterior: Semana ruim abate Bolsa, que perde 6,7% Próximo Texto: Bolsas perdem US$ 6,4 tri até agosto, diz S&P Índice
|