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ENTREVISTA
Mohamed El-Erian, especialista em emergentes, afirma que eleições vão influenciar economia até outubro
País está na 3ª fase de crise grave, diz analista
MARCIO AITH
DE WASHINGTON
O currículo do gestor de fundos
Mohamed El-Erian, um nova-iorquino de ascendência egípcia,
contradiz o provérbio segundo o
qual o destino de economias
emergentes está nas mãos de jovens de pouco mais de 20 anos
que compram e vendem títulos de
governos como se estivessem matando inimigos imaginários em
jogos de computador.
Aos 43 anos, El-Erian conhece o
mundo, tem uma experiência de
15 anos como funcionário do FMI
(Fundo Monetário Internacional)
e três como diretor do banco de
investimentos Salomon Smith
Barney (hoje membro do Citigroup) em Londres.
Formado pela Universidade de
Cambridge, nos EUA, ele fez seu
mestrado e doutorado pela Universidade de Oxford, no Reino
Unido. Hoje, administra boa parte dos recursos da Pimco (Pacific
Investment Management), companhia com base em Newport
Beach, no sul da Califórnia, administradora de 64 fundos que totalizam US$ 320 bilhões (cerca da
metade do PIB brasileiro).
Por sua experiência e contatos
com autoridades e analistas de
países nos quais investe, Mohamed tornou-se o mais celebrado
administrador de fundos de renda fixa de mercados emergentes.
Diferentemente de jornalistas
econômicos, ele não precisa de relatórios de bancos de investimento em Nova York para formar
suas opiniões. Vendeu papéis da
Argentina um ano antes do colapso do país. Tirou dinheiro da Ásia
no momento certo. Voltou para a
Ásia no momento certo.
Em entrevista à Folha, El-Erian
disse que o Brasil passa hoje pela
terceira fase de um período de
instabilidade grave, chamado por
ele de "processo severo de deslocamento técnico". No entanto, El-Erian elogiou os esforços do candidato do PT à Presidência, Luiz
Inácio Lula da Silva, para acalmar
os mercados. E disse que os investidores gostariam de ver um BC
autônomo no Brasil.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
Folha - O que o motiva a comprar
ou a vender títulos de um país? O
sr. se deixaria influenciar por "reações irracionais de mercados" mesmo achando que um determinado
país -como o Brasil- tem fundamentos econômicos sólidos?
Mohamed El-Erian - Nós olhamos para três fatores separados
que impactam nossa avaliação de
investimento num país. Primeiro,
analisamos profundamente os
fundamentos sócio-político, financeiro e econômico. Depois,
verificamos como as condições
externas (regionais e internacionais) impactam a perspectiva de
sua economia. Terceiro, olhamos
para a posição técnica do mercado. O histórico de mercados
emergentes sugere que o primeiro
elemento é de longe o mais importante. Fundamentos fortes podem agir como uma âncora para
ajudar o país a navegar por dificuldades externas ou deslocamentos técnicos. O exemplo mais
recente disso é o México, onde
condições internas sólidas permitiram ao país lidar com suas eleições conturbadas em 2000 e com
o desaquecimento econômico
dos EUA em 2001. Os aspectos-chave são: posição fiscal forte; políticas cambial e monetária ágeis;
dinâmica de crescimento sólida;
uma proteção de reservas adequada; instituições políticas e econômicas com credibilidade crescente; e tolerância social para lidar com os desafios cíclicos inevitáveis que afetam as economias
emergentes.
Folha - À exceção de uma dinâmica de crescimento sólida, o Brasil
parece ter tudo isso, mas os mercados não conseguem suportar um
processo eleitoral.
El-Erian - Se os fundamentos sólidos de um país estão no lugar, é
muito difícil que os "mercados irracionais" o forcem à moratória.
Dito isso, sempre haverá períodos
de contágio de curta duração. Em
alguns casos, a volatilidade e as
pressões financeiras de mercados
podem ser severas quando existem deslocamentos técnicos e um
aumento generalizado da aversão
do investidor ao risco -como está ocorrendo agora. Durante períodos como o atual, em que se diz
que os "mercados falham", é essencial que as autoridades ajam
com rapidez. Esse foi o caso do
Brasil recentemente, com o anúncio da política de quatro pilares
dirigida ao fortalecimento do superávit primário, das reservas
bancárias, o saque de US$ 10 bilhões do FMI e as operações de
administração da dívida.
Folha - Quem começou a vender
primeiro posições e ativos brasileiros? Os investidores domésticos?
Os "hedge funds"? Fundos de pensão? Qual foi o papel dos fundos especulativos e das vendas a descoberto nesse processo?
El-Erian - O Brasil encontra-se
agora na terceira e última fase de
um processo severo de deslocamento técnico. O primeiro estágio
essencialmente começou de forma local, com as vendas feitas por
empresas brasileiras e fundos
mútuos locais.
A segunda fase centrou-se no
envolvimento crescente dos fundos hedge negociando papéis do
Brasil a descoberto. O efeito combinado desses dois estágios foi
uma queda acentuada nos preços
financeiros.
Isso, por sua vez, detonou o terceiro estágio, no qual alguns investidores de longo prazo foram
forçados a vender para honrar os
pagamentos devidos por seus
fundos mútuos. Uma consequência desse terceiro estágio é um
contágio maior, já que essa venda
impacta não só o Brasil, mas também o portfólio de outros países.
Isso explica as pressões que vimos
em países como o México, a Rússia, a Turquia, a Venezuela etc.
Folha - O senhor ainda tem medo
de Lula?
El-Erian - O que os mercados
mais temem é a incerteza. Com
ela, não podem quantificar o risco
de forma apropriada. Investidores observam Lula para saber qual
é seu projeto econômico e financeiro, sua sugestão para as políticas fiscal e monetária, sua opinião
com relação às reformas estruturais e ao pagamento da dívida.
Além disso, os mercados querem
saber sua atitude com relação à
continuidade do processo de
aprofundamento dos benefícios
do progresso econômico recente.
Querem saber se haverá fortalecimento das instituições econômicas -incluindo a autonomia do
Banco Central.
Folha - O que o senhor achou do
programa econômico divulgado
por Lula?
El Erian - Foi um fato muito importante, que terá impacto gradual nos mercados. Esse impacto
será gradual devido à extensão
dos deslocamentos verificados.
Lula indicou sua intenção de
manter a política fiscal, de honrar
as obrigações contratuais da dívida e de recorrer aos fundos do
FMI, se necessário. Isso é importante não só em termos de sinalização, mas também porque indica a capacidade de reação da política econômica que está propondo. Achamos que a base financeira e econômica do país é suficientemente forte para agir como âncora durante esse período.
No entanto, o processo certamente será volátil e seremos impactados pelos humores políticos
até as eleições de outubro. Os
mercados vão continuar a procurar mais detalhes dos candidatos
presidenciais nas semanas e meses a seguir.
Folha - Vários especialistas dizem
que o Fundo deveria ter exigido
uma pressão maior do governo
brasileiro para reduzir sua dívida
pública atrelada ao dólar. O senhor
acha que o país tem uma dívida excessivamente alta ou trata-se apenas de uma questão de percepção?
El-Erian - A situação financeira
brasileira é igual à de um copo
que está se enchendo de água,
mas que ainda não está cheio. Devido à proporção da dívida brasileira atrelada ao dólar ou aos juros, a percepção dos mercados
mudou bastante nos últimos anos
(e meses). Partiu de uma exuberância, de um ciclo virtuoso, para
preocupações e um círculo vicioso. Dada a grande desvalorização
recente do real, o sentimento agora é compreensivelmente dominado por preocupações com relação a um ciclo vicioso. Se a economia brasileira dependesse somente de seus próprios fundamentos,
a dinâmica da dívida voltaria para
o ciclo virtuoso. A chave aqui é a
habilidade de o Brasil gerar superávits fiscais consistentes, fluxos
contínuos de investimentos diretos e melhorar a dinâmica de crescimento. Além de melhorar a capacidade de o país atrair créditos,
esses fatores levarão a uma queda
nas taxas de juro e reduzirão o
serviço da dívida.
No curto prazo, no entanto, o
impacto desses fundamentos será
ameaçado por deslocamentos
técnicos de mercado e a temporada eleitoral turbulenta. No entanto, achamos que a combinação
das condições econômicas e a posição de reserva financeira podem, e vão, agir como uma âncora sólida para ajudar o país a navegar nesse período desafiador e
restaurar as dinâmicas favoráveis
de mercado.
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