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ARTIGO
Um plano de resgate para o capitalismo
MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"
A questão mais espinhosa
sobre o capitalismo é de que
maneira as empresas podem ser
controladas. Trata-se de uma
questão para a qual ninguém tem
a resposta correta. A onda de escândalos nos EUA sugere que a
resposta adotada durante os anos
90 foi, pelo menos sob alguns aspectos, a errada. Felizmente, as
forças autocorretivas do mercado
garantirão boa parte da mudança
necessária.
Em qualquer economia competitiva, as empresas se vêem disciplinadas pela necessidade de gerar a renda necessária para pagar
os insumos, a mão-de-obra e o capital que empregam. Se não o fizerem, desaparecerão.
A resposta padrão é que o controle final deve ser dos acionistas,
porque cabe a eles o risco. Esse é
um argumento poderoso, mas
não onipotente. Se é difícil redigir
contratos de emprego adequados,
sociedades fechadas podem funcionar melhor do que sociedades
sob controle de acionistas. O mesmo vale para as chamadas empresas sob controle dos "grupos de
interesse".
Quem controla quem
No entanto, sob qualquer sistema de controle que não a administração pelo proprietário, existe
uma relação central e particularmente intratável -aquela que
vincula os controladores hipotéticos da empresa às pessoas que a
administram. Os economistas
classificam as dificuldades desse
relacionamento sob três rubricas:
ação coletiva; informação assimétrica; e relação agente-principal.
Não interessa investir amplos
recursos para monitorar a administração caso tenham votos insuficientes para influenciar suas decisões. Esse é o problema da ação
coletiva. O conhecimento único
de que dispõem os administradores sobre a empresa gera a informação assimétrica. Aqueles que
devem arcar com o risco dependem de terceiros para que ajam
em seu nome. Isso cria o dilema
do agente-principal.
Nos anos 80 e 90, o capitalismo
norte-americano adotou uma
forma altamente controversa de
contornar essas dificuldades. O
princípio do controle por acionistas se transformou em algo mais
estreito e específico, a maximização do valor para os acionistas,
medido em termos do preço das
ações. Segundo Bengt Holmstrom, do MIT (Massachusetts
Institute of Technology), e Steven
Kaplan, da Universidade de Chicago, essa revolução teve duas fases.
Nos anos 80, os piratas que promoviam atividades agressivas de
reestruturação sobrepujaram os
executivos tradicionais. Quase
metade das grandes empresas
norte-americanas recebeu uma
oferta de tomada de controle
acionário naquela década.
Nos anos 90, os executivos haviam assumido como seus os objetivos dos piratas da década anterior. Com isso foi iniciada uma
década de reestruturação ainda
mais radical. Os executivos conseguiam enriquecer em escala semelhante à dos piratas, concedendo-se generosas comissões em
ações. Em 1996 mais de metade
do salário de um diretor de uma
grande empresa de pendia do
preço das ações do grupo.
Há três interpretações quanto
aos motivos do ganho de importância dos mercados de ações.
A primeira, e até recentemente
dominante, era a de que isso representava um avanço rumo a
uma forma muito mais eficiente
de governança corporativa.
A segunda é a de que esse modelo era apropriado ao mundo criado pela desregulamentação, pela
inovação e pela globalização, mas
poderia se tornar menos apropriado quando a economia voltasse a ser mais previsível.
A terceira é a de que a tendência
refletia pouco mais do que uma
astuta, ou mesmo desonesta, expropriação praticada pelos diretores contra os acionistas, em
meio a uma alta nas Bolsas que
costuma acontecer uma única vez
na vida.
O desempenho da economia
norte-americana sugere que a governança conduzida sob as normas do mercado de capitais tinha
méritos. Maior produtividade,
surgimento de novas empresas e
dinamismo eram indicadores positivos. Mas a nova tendência
ocultava imensos defeitos.
Os executivos tinham imenso
estímulo para elevar os preços das
ações, da maneira que fosse possível. Pensem na escala das operações de recompra de ações ou na
feroz oposição à adoção de métodos próprios de contabilidade para as opções de ações. No entanto,
uma análise executada pela consultoria Smithers & Co. sugere
que, em 2000, o montante total
das opções concedidas era equivalente a um quinto dos lucros registrados pelas empresas.
Debaixo do tapete
Enquanto a alta nas Bolsas prosseguia aparentemente sem limite,
aquilo que Galbraith definiu como "bezzle" (os trambiques praticados, mas não descobertos, em
um período de economia em ascensão) crescia em paralelo.
Quando os mercados sofreram
uma reviravolta, o "bezzle" se tornou visível. Algumas empresas
implodiram. Outras começaram
a praticar fraudes, ou a aprofundar as que já vinham praticando, e
também implodiram.
O que acontece agora? O mercado está destruindo, por si só, as
empresas fraudulentas ou incapazes. Insiste em padrões mais elevados de comportamento corporativo e auditoria. Suspeita mais
da administração de receitas e de
outras maneiras de manipular os
preços das ações.
Esse impulso de autocorreção é
muito poderoso. Assim, até que
ponto deve ir a reforma?
Uma maneira de abordar a
questão é recuar aos princípios
iniciais. Os EUA e países semelhantes, como o Reino Unido,
precisam fazer com que a posse
difusa de ações funcione. O controle feitos pelos acionistas é
igualmente vital. Mas o controle
não pode significar fazer qualquer
coisa para elevar os lucros e administrar as receitas de curto prazo.
Vincular diretamente o pagamento dos executivos a essas flutuações nos preços das ações multiplica os já consideráveis perigos.
Transparência
Qualquer coisa que custe dinheiro aos acionistas, como as
opções de ações, deve também ser
revelada claramente nos balanços. Idealmente, as opções de
ações, que distorcem os resultados, deveriam ser substituídas
por ações restritas. O mais importante: sem contabilidade confiável
em auditoria independente, novas ampliações na assimetria de
informação destruirão o funcionamento efetivo dos mercados de
capitais.
Boas coisas aconteceram nos
anos 90. Mas muito de repelente
também aconteceu. Ao menos,
parte do que aconteceu de negativo emergiu devido aos incentivos
perversos existentes no seio das
corporações.
Os frutos do controle exercidos
por acionistas e da difusão generalizada da posse de ações não devem ser desperdiçadas. Mas a sujeira que os circundava, na forma
de imensos incentivos para que os
executivos manipulassem os preços das ações, falseassem a contabilidade e expropriassem os acionistas, precisa ser eliminada.
Tradução de Paulo Migliacci
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