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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
O Brasil tem tudo para voltar a crescer
LUCIANO COUTINHO
Depois de 23 anos, razões
objetivas permitem construir sustentação para o crescimento. Os fundamentos foram,
parcialmente, resultado da determinação política do governo
-de FHC no segundo mandato e
do atual- na esfera fiscal e do
empenho em garantir a estabilidade de preços. Esses pilares estão
reassegurados graças à firmeza
do presidente Lula: a inflação
projetada é declinante (próxima
a 6% em 2004) e, gostemos ou
não, o sistema fiscal-tributário
brasileiro é capaz de gerar expressivos superávits primários mesmo
com a economia estagnada. Em
acréscimo, está em curso a concretização do terceiro -e mais
importante pilar- necessário à
sustentação do crescimento: o da
redução da vulnerabilidade externa da economia -através da
obtenção, persistente, de um superávit comercial externo de
grande escala.
A política macroeconômica deve, doravante, consolidar essas
condições de sustentação: olho na
inflação e zelo pelo superávit fiscal, mas, sobretudo, clareza de
que a desdolarização da dívida
interna pública e o aumento das
reservas próprias de divisas devem constituir os objetivos prioritários para assegurar autonomia
à política econômica. Nesse sentido, há que se combinar o controle
da inflação com juros reais cadentes e manutenção de uma taxa de câmbio estimulante à exportação, o que só pode ser perfeitamente conciliado se passos firmes vierem a ser dados na direção da sustentabilidade do crescimento. Explico: a perspectiva credível de crescimento atrairá investimentos privados externos e
internos, o que, por sua vez, permitirá suprir duas condições imprescindíveis: evitar gargalos de
infra-estrutura e de capacidade
exportadora impeditivos da expansão e suplementar a oferta de
divisas e propiciar o reforço das
reservas para assegurar juros
reais bem mais baixos e manter a
flutuação da taxa de câmbio numa faixa estável e competitiva.
Em resumo, a consolidação da
confiança na capacidade de crescer tornou-se um ingrediente-chave da solução. A renovação do
acordo com o FMI deve ser compatível com essa diretriz!
Há, ainda, árduos desafios a serem vencidos. A sustentação do
crescimento requer que se deslanchem o mais breve possível substanciais investimentos infra-estruturais e de expansão das cadeias competitivas. Investimentos
de monta, por exemplo, são urgentes na siderurgia, na petroquímica e na cadeia madeira-celulose-papel. É, ademais, imprescindível a consolidação nesses setores de grandes empresas de capital nacional. Por outro lado, a
sustentação política exige que o
crescimento do emprego (a mais
eficiente das políticas sociais) seja
correspondido pela expansão da
oferta de bens de consumo de
massa, de serviços públicos e de
infra-estruturas sociais. A maior
parte desses investimentos é intensiva em capital e se defronta
com riscos elevados -requerendo estreita coordenação entre Estado e setor privado para a criação de confiança regulatória, viabilização de parcerias e condições
adequadas de "funding".
O foco inicial nas cadeias competitivas se justifica pragmaticamente pelo imperativo de assegurar resultados comerciais suficientes ao longo dos próximos
anos. Não obstante, com visão de
longo prazo, o desenvolvimento
deveria incluir ações de política
industrial e tecnológica, abrangendo setores portadores da inovação e cadeias de potencial competitivo com participação dinâmica no comércio internacional.
Há inequívoca compreensão de
que os investimentos em infra-estrutura necessitam da participação do setor privado. No caso da
energia, a persistência de indefinições quanto a questões básicas
-de natureza regulatória e financeira- constitui motivo de
preocupação. A crise é sistêmica,
atinge todos os agentes (geradores, distribuidores, consumidores)
e demanda solução rápida ante a
perspectiva de que a retomada do
crescimento absorva em poucos
anos o atual excedente de energia
(7,5 GW). Considerando o dilatado prazo médio de maturação
dos investimentos no setor, é urgente a definição do novo modelo
público-privado e de regras para
os contratos a serem renovados
ou iniciados.
Outro obstáculo são os sistemas
logísticos deficientes e desgastados que comprometem a sustentação do desenvolvimento. A concentração excessiva no modal rodoviário (cuja malha se encontra
em estado precário), os muitos
pontos de estrangulamento e de
desconexão do modal ferroviário
e os problemas remanescentes dos
portos brasileiros reclamam urgência na indução de investimentos privados e públicos.
A concretização desses investimentos requer a reorganização
concertada das condições de
"funding". De saída, coloca-se a
imprescindibilidade de apoiar a
reabilitação financeira do setor
privado, que, em vários setores,
foi vitimado pelos choques externos recentes (crise de energia e
megadepreciações da taxa de
câmbio). Acresça-se a necessidade de mobilizar o crédito bancário e o mercado de capitais. Ao
governo cumpre mitigar riscos regulatórios, infundir confiança e
dar suporte às engenharias financeiras. A tarefa é desafiadora e
complexa, mas está ao alcance!
Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e Tecnologia (1985-88).
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