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COMÉRCIO EXTERIOR
Instituto americano mostra que, sem barreiras, renda agrícola aumentaria em mais de US$ 2 bi por ano
Cancún pode render US$ 6,5 bi ao Brasil
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
Se conseguir arrancar um bom
resultado nas negociações agrícolas da 5ª Conferência Ministerial
da OMC (Organização Mundial
do Comércio), que começa quarta-feira em Cancún (México), o
Brasil terá um suculento prêmio:
US$ 6,5 bilhões.
O cálculo foi feito não por brasileiros, mas por um instituto norte-americano, o IFPRI (sigla em
inglês para Instituto de Pesquisa
sobre Política Mundial de Alimentação).
Por essas contas, se os países industrializados concordarem em
derrubar o muro protecionista
que ergueram em torno de seus
produtores rurais, o Brasil aumentará a renda do seu próprio
campo em US$ 2,258 bilhões por
ano, enquanto o aumento líquido
do comércio agrícola será de
US$ 4,262 bilhões.
Pena que nem o chefe da delegação brasileira, o chanceler Celso
Amorim, acredite em uma vitória
plena, a ponto de já estar falando
em uma "Cancún 2", ou seja, uma
nova reunião ministerial, no início de 2004, para, aí sim, fechar a
negociação agrícola.
Reuniões ministeriais são a instituição de cúpula da Organização
Mundial do Comércio, a única,
portanto, que é autorizada a tomar decisões.
Já se sabe que o encontro de
Cancún na próxima semana não
produzirá números sobre a liberalização agrícola, que passou a
ser o tema dominante e, por extensão, o que condiciona avanços
em qualquer outra área da megapauta de negociação.
Amorim vê duas hipóteses para
o desfecho de Cancún: a mais otimista "não tem os números, mas
tem o potencial de ser preenchida
com números favoráveis" em
uma hipotética "Cancún 2".
A mais pessimista também não
tem números, mas cria "uma
equação que não pode ser preenchida com bons números".
Seria igualmente necessária
uma "Cancún 2", mas para refletir
sobre o dilema assim descrito pelo chanceler brasileiro: "Ou reduzimos o nível de ambições [sobre
liberalização comercial em geral]
ou aceitamos uma pequena derrapagem no prazo. Prefiro a segunda hipótese".
Doha
O prazo para a conclusão da
chamada Rodada Doha de Desenvolvimento, lançada em novembro de 2001 na capital do Qatar, é
dezembro de 2004.
Como, no entanto, a OMC chega a uma nova Ministerial, quase
dois anos depois, sem números
para liberalizar a agricultura, parece remota a hipótese de que seja
possível encontrá-los nos meses
seguintes a Cancún.
Seria então o fracasso de Cancún, previamente assumido?
Não, responde Pascal Lamy, comissário europeu para o Comércio (uma espécie de ministro).
"Cancún não é o começo nem o
fim de uma negociação, mas uma
revisão de meio de período, uma
checagem para ver se estamos nos
trilhos", diz Lamy.
Completa: "O sucesso será medido se verificarmos que percorremos a metade do caminho".
Celso Amorim também discorda da visão tremendista: "Não podemos fazer de Cancún uma Seattle, um tudo ou nada".
Seattle foi a sede do mais estrepitoso fracasso das negociações
comerciais planetárias: a 3ª Ministerial da Organização Mundial
do Comércio (1999) terminou desorganizadamente, sem documento final, em meio a batalhas
campais entre a polícia e manifestantes contra o tipo de globalização em andamento.
Para o Brasil, a perspectiva de
fracasso é muito ruim, na medida
em que o país apostou suas principais fichas na OMC, entre as três
meganegociações comerciais em
que está envolvido (as outras duas
são a Alca, a Área de Livre Comércio das Américas, e União Européia/Mercosul).
O que complica mais o cenário,
na hipótese de fracasso na Organização Mundial do Comércio, é
que, dois meses depois de Cancún, será a vez da reunião ministerial da Alca, em Miami.
"Alca light"
É razoável supor que os Estados
Unidos cobrem uma revisão da
proposta brasileira de uma "Alca
light", desidratada de temas cruciais transferidos para a OMC.
Amorim não aceita a cobrança:
"Já havia uma Alca light, porque,
na prática, temas de nosso interesse já haviam sido transferidos
pelos Estados Unidos para a
OMC, como os subsídios agrícolas e a revisão dos mecanismos
antidumping".
De todo modo, o chanceler é o
primeiro a admitir que "a configuração da Alca, ao contrário da
Organização Mundial do Comércio, não é favorável para o Brasil".
De fato, só na OMC o Brasil encontra parceiros do porte de uma
Índia ou de uma China, com os
quais elaborou e apresentou proposta de liberalização agrícola
bem mais ampla do que o documento conjunto de EUA e União
Européia.
O texto pilotado por Brasil e Índia acabou assinado por 20 países,
que representam 63,4% da população agrícola mundial, 19,2% da
economia agrícola do planeta e
26,3% das exportações do setor,
nas contas de Marcos Sawaya
Jank, especialista em agricultura e
negociações comerciais.
Na Alca, o Brasil jamais poderá
contar com parceiros desse porte,
pela simples razão de que as Américas só têm dois gigantes, o próprio Brasil e os Estados Unidos.
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