São Paulo, domingo, 07 de setembro de 2008

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STEPHEN ROACH

Tarefa de Pequim: conter a inflação


As conexões internacionais da globalização poderão tornar muito difícil a tarefa de reprimir os preços no país
HÁ MUITO exagero na interpretação do impacto econômico da Olimpíada de Pequim sobre a China e o restante da Ásia. A China já enfrentava desaceleração antes da Olimpíada e provavelmente continuará a enfrentá-la em 2009. Em outros países da Ásia, um resultado semelhante parece estar surgindo. Um dado significativo é que a maior parte das atividades de construção relacionadas aos Jogos, de cerca de US$ 42 bilhões, foi concluída mais de um ano atrás. Isso significa que quaisquer efeitos dessas construções deveriam ter sido sentidos algum tempo atrás, e não depois dos Jogos. Sim, houve o fechamento de fábricas em Pequim e na cidade vizinha de Tianjin, por algumas semanas, antes e durante os Jogos. Mas essas duas áreas metropolitanas respondem, somadas, por menos de 6% da produção total chinesa -o que, de maneira alguma, bastaria para influenciar muito o gigantesco setor industrial da China.
O que havia em ação, em lugar disso, eram poderosas repercussões de um choque externo que nada teve a ver com a Olimpíada: ajustes pós-bolha influenciando adversamente o consumo nos EUA e danos colaterais que agora começam a se revelar na Europa e no Japão. Os asiáticos em desenvolvimento são os exportadores mais intensos do planeta -da produção da região, 45% são exportados; no caso da China, quase 40%. À medida que os industrializados se desaceleram, a China e os demais asiáticos em desenvolvimento que dependem de exportações devem sentir os efeitos da perda de demanda externa, com certo atraso.
Nesse contexto, a inflação continua a ser o maior dos enigmas da China. As recentes iniciativas de estímulo ao crescimento sugerem que as autoridades estão tentando reduzir a queda do ritmo de crescimento do PIB, conduzindo-o ao patamar de 8% a 9%. Talvez a maior questão para a China em 2009 seja determinar se essa desaceleração -ante 12% em 2006/7- é suficiente para deter o recente acúmulo de pressões inflacionárias. Existem bons motivos para acreditar que os riscos inflacionários continuarão a ser o maior desafio da China nos próximos anos.
Muito preocupante é a crescente inclinação dos dirigentes chineses em desconsiderar o acúmulo de pressões inflacionárias, definindo-o como "estrutural", ou seja, atribuível a forças especiais que supostamente estariam além do controle da política monetária. Três desdobramentos desse tipo são citados com freqüência: as recentes reformas trabalhistas que elevaram o salário mínimo, um surto de inflação "importada" via commodities e a equalização internacional que deve elevar os preços dos produtos chineses para mais perto do padrão mundial.
Isso representa questão séria para o resto da Ásia e para a economia mundial: será que é possível conter o crescimento de pressões inflacionárias na China? No curto prazo, a inflação pode ser limitada pela queda a que o ciclo de negócios nos conduziu. Mas no médio prazo isso poderia mudar. As conexões internacionais da globalização podem tornar a contenção da inflação na China uma tarefa terrivelmente difícil.
Os riscos temporários para o crescimento não deveriam ser a preocupação dominante na China. A estagflação pode ser o maior risco: um estancamento no crescimento gerado fora do país acoplado a uma significativa deterioração dos riscos implícitos de inflação. Os chineses estão obcecados com o aspecto do crescimento, mas ignoram a influência da inflação no resultado final. Isso continua a ser a maior preocupação, depois de uma Olimpíada espetacular.


STEPHEN ROACH é presidente do conselho do Morgan Stanley Ásia. Este artigo foi escrito originalmente para o "Financial Times"

Tradução de PAULO MIGLIACCI

Hoje, excepcionalmente, a coluna de JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN não é publicada.



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