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TRABALHO
Liberalização comercial a partir dos anos 90 trouxe ganhos apenas para trabalhadores com maior nível educacional
Abertura favoreceu os mais qualificados
ÉRICA FRAGA
DA REPORTAGEM LOCAL
A propalada promessa de que a
abertura comercial favoreceria os
brasileiros com menor qualificação teve resultado oposto. Pesquisas recentes demonstram que
apenas trabalhadores com melhor nível educacional, principalmente aqueles com diploma universitário, tiraram vantagens da
maior integração econômica do
Brasil com o resto do mundo.
Entre 1992 -ano em que o país
acelerou a redução de tarifas alfandegárias- e 2002, os trabalhadores com mais de 15 anos de estudo conseguiram ganho real de
renda (descontada a inflação) de
10,7%. Já os brasileiros com escolaridade entre 1 e 14 anos apresentaram perdas reais em seus salários médios entre 0,7% e 11,7%.
Os cálculos fazem parte de estudo do economista Jorge Saba Arbache, da Universidade de Brasília. Para Arbache, a leitura é clara:
a abertura gerou aumento da demanda por trabalhadores mais
especializados.
"Uma das explicações para isso
é o fato de que, com a abertura, o
país passou a ter acesso a tecnologias mais avançadas. As empresas
passaram a precisar de mão-de-obra mais qualificada para operar
essa tecnologia. Isso levou ao aumento da demanda por trabalhadores com nível educacional mais
avançado", diz Arbache.
Os cálculos de Arbache, que
analisou dados da Pnad (Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios), feita pelo IBGE (Fundação
Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística) entre 1992 e 2002,
mostram que a exceção, entre os
pouco escolarizados, são os brasileiros analfabetos ou com menos
de um ano de estudo, que tiveram
ganhos salariais médios reais de
6% no período.
No entanto, ao contrário do que
aconteceu com os trabalhadores
com diploma universitário, esse
ganho não é explicado pela maior
demanda por esses trabalhadores,
mas pelo aumento real do salário
mínimo no período.
Todas essas evidências chocam
com a teoria de comércio internacional consagrada nos anos 80 e
90, que tem entre seus expoentes a
vice-diretora-gerente do FMI
(Fundo Monetário Internacional), Anne Krueger.
Krueger e outros teóricos defendiam que, ao se integrar à economia mundial, trabalhadores de
países em desenvolvimento, como o Brasil, sairiam ganhando.
A explicação era relativamente
simples: o Brasil produz a custo
mais barato -em comparação
aos países desenvolvidos- produtos básicos, utilizando intensivamente mão-de-obra pouco
qualificada e abundante. Essas seriam as chamadas "vantagens
comparativas brasileiras".
Ao ampliar sua corrente de comércio com o resto do mundo, a
demanda externa por esses produtos cresceria, o que levaria a
uma maior contratação de trabalhadores menos qualificados, que,
em consequência, teriam sua remuneração aumentada.
O tiro, que parecia ter tudo para
ser certeiro, acabou saindo pela
culatra. Segundo especialistas, o
erro de cálculo resultou da falta de
previsão de que a integração traria novas tecnologias ao país. Trabalhadores com baixa qualificação, dizem, não têm capacidade
suficiente para operar máquinas
modernas.
"As evidências mostram que,
com a abertura, aumentou a produtividade da indústria como um
todo. Uma das prováveis explicações para isso é que o país passou
a importar melhores insumos",
diz Pedro Cavalcanti Ferreira,
professor da Escola de Pós-Graduação em Economia da FGV
(Fundação Getúlio Vargas) do
Rio de Janeiro.
O efeito disso sobre o mercado
de trabalho foi a maior demanda
por trabalhadores qualificados e a
demissão maciça da mão-de-obra
menos capacitada, que, com a
maior produtividade, passou a ser
dispensável, principalmente nos
setores industriais.
O economista Naércio Menezes,
da USP (Universidade de São
Paulo), foi co-autor de um trabalho que dizia, ao contrário disso,
que a abertura teria favorecido a
mão-de-obra menos qualificada
em relação à mais capacitada. O
estudo dividia os trabalhadores
em dois grupos: os que tinham,
pelo menos, o ensino médio completo, e aqueles com menos de 11
anos de educação.
O problema, admite Menezes, é
que a análise de apenas dois grupos acaba misturando efeitos que
afetaram de forma variada as distintas faixas educacionais. Nas
suas pesquisas recentes, ele tem
percebido que, na verdade, aumentou a procura pelo trabalhador com diploma universitário.
"Aumentaram a compra de insumos tecnologicamente mais
avançados e a produtividade das
firmas, o que levou à maior demanda por trabalhadores mais
qualificados", diz Menezes.
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