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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Além da política monetária
ALOIZIO MERCADANTE
Existem cerca de 20 países
que adotam o regime pleno
de metas de inflação -desde desenvolvidos como Nova Zelândia
e Inglaterra até emergentes como
Chile e México. Os defensores dessa política alegam que ela resulta
em menor volatilidade do produto e em maior resistência a choques adversos. Outros não encontraram em seus estudos nenhuma
vantagem em relação às políticas
ad hoc, mas também nenhuma
desvantagem. Parece haver, segundo esses autores, um ganho
em termos da transparência e
previsibilidade da política monetária.
Mas, se um país como os Estados Unidos pode adotar um regime eclético de metas de inflação,
o que preserva sua flexibilidade
para sustentar as taxas de crescimento, o Brasil, no momento, não
pode e deve aprender a operar o
regime de metas com arte e sem
dogma. Alguns países, como a
Nova Zelândia e o Canadá, estão
nesse regime há mais de uma década e ainda debatem sua eficácia.
Há regras para operar a política
de metas e muitas delas representam evoluções do Banco Central
brasileiro: a agenda prévia de
reuniões do Copom, as notas de
imprensa e atas de suas reuniões,
o relatório de inflação, os artigos
dos diretores e da equipe técnica
(lamentavelmente, alguns apenas
em inglês), a disponibilização
ampla de dados no seu portal da
internet.
O BC tem autonomia de fato na
operação da política monetária,
já que cabe ao CMN (Conselho
Monetário Nacional) estabelecer
as metas e a ele as ações para concretizá-las.
Em que ritmo as metas devem
ser realizadas? Qual é a inflação
considerada como mínimo admissível? O que fazer na situação
de choques de oferta? Deve-se explicitar apenas uma meta, a de
inflação? Deve-se operar com metas não-explícitas, como as cambiais? A demanda agregada é relevante apenas para avaliar as
pressões sobre a inflação ou deve
ser o objetivo? O BC deve apenas
sancionar as expectativas do mercado ou deve surpreendê-lo, para
fazer uma política monetária de
qualidade?
Essas são questões centrais em
um debate maduro sobre a política monetária do país. Se Mr.
Greenspan não tem por que querer o regime de metas de inflação,
nós temos por que buscar tornar o
nosso mais adequado às necessidades do crescimento com estabilidade.
Nesse sentido, é preciso reconhecer que a política monetária
não é suficiente para tratar da estabilidade dos preços. Pode ser
efetiva, mas, como se sabe há décadas, a um custo social elevadíssimo. A política de desinflação deve incluir outros instrumentos,
mais adequados para uma sintonia fina da trajetória dos preços.
Não se trata de violentar os mercados, mas de saber que eles são,
no mínimo, imperfeitos e freqüentemente controlados por
grupos econômicos poderosos e
oligopolizados. E isso demanda
um Estado atento.
Em 2003, os preços de alguns
complexos produtivos subiram de
forma dramática. Foi o caso do
milho, do cacau, do papel, do aço
e dos fármacos, entre outros. Inicialmente houve uma relação direta com a rápida desvalorização
do real ao final do governo Fernando Henrique. O dólar subiu,
os juros subiram, as commodities
subiram, logo o choque de custos
foi significativo. Previsível, portanto, o crescimento dos preços.
Mas pasmem: em 2003, o dólar
caiu e está na cotação de 18 meses
atrás, os juros nominais são os
menores em três anos e os salários
reais caíram 12%. E os preços desses complexos? Muito acima dos
valores de 2002.
Veja-se o caso do complexo do
milho.
Enquanto o preço da saca de 60
quilos de milho recuou em cerca
de 14%, o preço das aves subiu
12%, o dos ovos, 24% e o do presunto cozido, 58%. Algo não está
certo nas curvas de oferta e de demanda.
Mas, mesmo que a criatividade
dos analistas econômicos justifique essa distorção, a questão é
que a política monetária tem
pouco efeito sobre esses fenômenos. E, sem pretendê-lo, a recessão
pode voltar.
Portanto temos de acionar outros instrumentos, inclusive estruturais, que sustentam resultados
a longo prazo: estoques reguladores, tarifas de importação, crédito
dirigido, política de estímulo à
produtividade em setores críticos,
estímulo à logística de transporte
adequada, estímulos fiscais, política anticartéis, regulação setorial, acordos internacionais de
abastecimento estratégico e campanhas antidesperdício, entre outros.
A política monetária é um instrumento elegante de regulação,
mas é apenas metade da missa. É
preciso colocar as mãos à obra e
fazer a dura tarefa de construir
uma política deflacionista ampla,
o que exige sair dos gabinetes e
dialogar com o mundo real, que é
tudo, menos afeito a se subordinar aos modelos acadêmicos.
Aloizio Mercadante, 49, é economista e
professor licenciado da PUC e da Unicamp, senador por São Paulo, secretário
de Relações Internacionais do Partido
dos Trabalhadores e líder do governo no
Senado Federal.
Internet: www.mercadante.com.br
E-mail -
mercadante@mercadante.com.br
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