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ENTREVISTA
Presidente do banco estatal nega divergências com Furlan e afirma que ninguém vai "me mandar calar a boca"
Lessa diz que BNDES resgatará bandeira do desenvolvimento
CHICO SANTOS
DA SUCURSAL DO RIO
O presidente do BNDES (Banco
Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social), Carlos Lessa, 67, disse, em entrevista à Folha, que está resgatando a bandeira do desenvolvimento, deixada
de lado há 20 anos. "O que você
recupera é a bandeira do passado,
a bandeira do desenvolvimento.
Nisso sou uma pessoal absolutamente antiquada. A bandeira do
desenvolvimento está no chão e
eu estou querendo pegá-la."
Lessa disse que o Brasil não pode "continuar como uma folha seca ao sabor da desordem financeira mundial", mas evitou se aprofundar sobre a situação macroeconômica do país. "Deixei o meu
chapéu de macroeconomista em
casa", disse, para em seguida justificar a atual política contracionista do governo como um esforço de recuperação da "terra arrasada" que teria sido encontrada.
Ele negou veementemente que
tenha divergências com o ministro do Desenvolvimento, Luiz
Fernando Furlan, a quem o
BNDES está diretamente subordinado, e com o ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho. Lessa
atribuiu aos jornalistas os comentários sobre as supostas divergências. "Não posso fazer nada, não
posso fazer nada."
Ele disse que tenta atrair para o
Brasil uma fábrica de turbinas a
jato, como forma de aumentar a
nacionalização dos aviões da Embraer. Afirmou que o BNDES
apoiará "pesadamente" a indústria do petróleo, em toda sua cadeia, por considerar que o Brasil
está na vanguarda tecnológica do
setor.
Leia nesta página e na próxima
os principais trechos da entrevista
concedida à Folha.
Folha - No começo da sua gestão
o sr. recebeu muitas críticas sobre o
ritmo das atividades do banco. Dizia-se que ele estava paralisado.
Passados quase cinco meses, o sr.
diria que a gestão engrenou?
Carlos Lessa - Acho que a reorganização interna do banco está inteiramente concluída, o que não
quer dizer que não seja necessário
um ou outro pequeno ajuste. A
agilidade do banco cresceu de
maneira expressiva. O que me
preocupa é a queda das consultas
[dos clientes, em busca de empréstimos]. Ela expressa uma avaliação geral que os empresários
estão fazendo com respeito ao futuro. A queda de consultas sugere,
no mínimo, que eles estão com
dúvidas.
Folha - Por que sua gestão desperta tanta polêmica?
Lessa - A pergunta não deve ser
feita a mim. Deve ser feita às pessoas que querem polemizar.
Folha - Qual o motivo pelo qual o
sr. imagina que elas querem polemizar?
Lessa - Tenho excelentes relações com o ministro Furlan. Realmente, não o conhecia quando fui
convidado para o BNDES. Alguém me perguntou se o conhecia e eu disse que não, ingenuamente. Criou-se uma idéia de que
teria havido, com a minha chegada, um grande atrito meu com o
ministro. Posso dizer com a
maior tranquilidade: eu e o ministro trabalhamos juntos sem nenhum problema.
Folha - O sr. falou com o ministro
nos últimos dias?
Lessa - Hoje tentei falar. Mas ele
estava em Nova York e não consegui. Mas tenho excelentes relações
com o ministro. Aliás, se você for
procurar as declarações dele nos
últimos meses vai ver que todas
são de apoio ao BNDES.
Folha - Ele não costuma estar presente aos eventos no banco.
Lessa - Por uma razão muito
simples. O ministro faz uma coisa
muito importante para o país: ele
impulsiona as operações de exportação. Isso é uma agenda muito difícil. Na verdade, o ministro
faz uma espécie de diplomacia comercial, em grande estilo! Passa a
metade do tempo voando. Às vezes quero falar com ele e ele não
está no Brasil.
Folha - O sr. discute normalmente
as decisões do banco com o ministro?
Lessa - O BNDES tem que ter
agilidade, tem uma burocracia de
alta qualidade, processos externos extremamente estruturados.
O que discuto com o ministro são
grandes linhas, grandes problemas.
Folha - Por exemplo, o plano estratégico?
Lessa - O plano estratégico reflete, fundamentalmente, diretivas
fixadas pela Presidência da República e que recolheram preocupações, inclusive do ministro. Estou
falando do caso do ministro Furlan. Mas também se falou de um
eventual conflito meu com o ministro Palocci. Nunca fiz uma declaração sobre política macroeconômica. Deixei o meu chapéu de
macroeconomista em casa.
Folha - Mas as diretrizes do
BNDES, de um certo modo, têm relação com a macroeconomia.
Lessa - Não. A macroeconomia
para o BNDES é uma espécie de
grande moldura na qual nos movemos.
Folha - Mas o pensamento econômico do Ministério da Fazenda...
Lessa - Acabei de falar com o ministro Palocci, há menos de meia
hora. Ele disse que agora no exterior, ele estava em Genebra, os
jornalistas brasileiros foram perguntar o que achava do BNDES.
Ele disse que respondeu: "Sou favorável ao desenvolvimento".
Folha - Essa questão do desenvolvimento versus...
Lessa - Versus o quê? Versus o
quê?
Folha - Versus a política contracionista do Ministério da Fazenda...
Lessa - Isso você está dizendo.
Eu não estou falando isso.
Folha - Não estou dizendo que o
sr. tem falado nisso. Estou perguntando se o sr. vê conflito nisso. Entre o desenvolvimentismo do seu
pensamento e o pensamento da
Fazenda, pelo menos por enquanto, contracionista, mais ao gosto
do governo passado.
Lessa - Acho que o ministro Palocci herdou uma situação de terra arrasada. Uma situação inteiramente desequilibrada, por erros
brutais de política econômica da
administração anterior. Herdou,
além disso, um quadro de alarme,
de inquietação quanto aos destinos financeiros do Brasil. E ele foi
o gestor para colocar tranquilidade no cenário. Nunca vi o ministro falando a favor de contração.
Folha - Qual a diferença entre o
desenvolvimentismo de agora e o
tão criticado, hoje, desenvolvimentismo do passado?
Lessa - Criticado por quem, cara-pálida? Por quem, cara-pálida?
Você desculpe eu fazer a pergunta
dessa maneira, porque acho curioso isso. Por quem, pelos neoliberais? Pelos pós-modernos? É
uma coisa interessante. Procuraram conflito meu com o ministro
Furlan, procuraram com o ministro Palocci. Disseram que o ministro Dirceu [José Dirceu, da Casa Civil] me deu um cala-boca.
Que não sei quem me puxou a
orelha. Estou com a orelha intacta, ninguém me mandou calar a
boca, coisa dificílima. A última
pessoa que fez isso foi minha falecida mãe. Ninguém me manda
calar a boca, não há hipótese.
Folha - Gostaria que, independentemente das críticas, o sr. fizesse essa distinção.
Lessa - Não existe nenhuma, sabe por quê? O IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] é um
índice que mede a qualidade de
vida de uma sociedade. É feito,
basicamente, a partir de indicadores disponíveis.
Por exemplo: esperança de vida
ao nascer, mortalidade infantil,
taxas de escolaridade, algum indicador de violência... Então, você
compõe e classifica. E descobre o
quê? Que o IDH brasileiro está
ruim. Está mesmo. Desde a época
da escravidão. Não tem novidade.
Você apenas está medindo com
novos instrumentos. Agora, houve um momento no Brasil, aí pelos anos 30, que se chegou à conclusão de que, se o país permanecesse como um cafezal, seria impossível superar os problemas
vindos do passado.
Fez-se um imenso esforço e durante 50 anos a economia brasileira cresceu 7% ao ano. Cresceu sob
a ditadura do Estado Novo, na reconstrução do pós-guerra, sob os
generais...
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