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Lessa diz que a palavra subsídio ficou estigmatizada e cita financiamento de tratores como exemplo que deu certo
"Neoliberais não compreendem a história"
DA SUCURSAL DO RIO
Leia a seguir a continuação da
entrevista com o presidente do
BNDES, Carlos Lessa:
Folha - Mas as diferenças sociais
cresceram também.
Lessa - O que aconteceu? Este
padrão de desenvolvimento, que
os especialistas chamam de nacional-desenvolvimentismo, pressupunha que a industrialização e a
urbanização acabariam gerando
uma sociedade inclusiva nos benefícios da modernidade para a
maioria da população. O social
era considerado uma categoria
resultante do processo. O que a
experiência brasileira demonstrou, ali pela entrada dos anos 80?
Que meio século de crescimento
não resolvia a questão social.
Porém, essa constatação veio
combinada com a crise política do
autoritarismo e com o fenômeno
financeiro, a financeirização do
mundo cresceu a uma velocidade
enorme. O Brasil passou 20 anos
nos quais conseguiu reconstruir,
e até aperfeiçoar, o Estado de Direito, mas o crescimento econômico foi muito pequeno. Melhorou a questão social? Não. O que
aconteceu? Começamos no Brasil
um fenômeno, que hoje preocupa
os europeus, chamado neopobreza. Gente que estava integrada foi
sendo desintegrada, por destruição de postos de trabalho.
Acho que a eleição do governo
Lula reflete muito a percepção de
que essa questão precisa ser principalizada. Como? Desenvolvimento com inclusão social. Enquanto a idéia da inclusão social
no movimento anterior era uma
resultante, agora passa a ser uma
diretiva endógena do processo de
desenvolvimento.
Por outro lado, está absolutamente claro que o Brasil precisa
reduzir a vulnerabilidade externa.
Não podemos continuar como
uma folha seca na desordem financeira mundial.
Folha - Então, no plano puramente econômico o que se fazia antes
era correto?
Lessa - Não. Deixe eu explicar
uma coisa porque os neoliberais
não conseguem compreender o
que é a história. A história é uma
parteira de novidades. Ela não reproduz os cenários passados. É
evidente que hoje o Brasil não é o
Brasil dos anos 30. É um país urbanizado, basicamente. O Brasil
tem uma estrutura industrial, tem
um sistema universitário. Mais
ainda: o mundo no qual o Brasil
está inserido é muito diferente do
mundo do passado.
Qualquer esforço de retomada
do desenvolvimento tem que se
dar a partir do Brasil de hoje e no
mundo de hoje. Você não reproduz o passado. O que se recupera
é a bandeira do passado, a bandeira do desenvolvimento. Nisso sou
absolutamente antiquado. A bandeira do desenvolvimento está
caída no chão. Estou querendo
pegá-la. Isso significa tomá-la pelo presente, no qual a inclusão social é o vetor central.
Folha - O que leva as pessoas a falarem em retorno ao passado é
quando se fala em substituição de
importações, subsídios ou eleição
de setores para receberem apoio.
Lessa - Não tenho, com respeito
aos instrumentos de política econômica, nenhuma preferência
manifesta. Em alguns casos, instrumentos que vêm lá do passado
são muito bons. Em outros casos
tem-se que lançar mão de novos
instrumentos.
Folha - Por exemplo?
Lessa - Uma palavra que ficou
absolutamente estigmatizada foi a
idéia de subsídio. Vou contar a
história do último grande subsídio no Brasil que deu certo. É do
governo Fernando Henrique Cardoso, uma ação na qual ele quebrou o neoliberalismo do qual foi,
supostamente, o construtor. O
que ele fez? Reduziu a taxa de juros, deu condições de estabilização de prestações e financiou em
cinco anos a compra de tratores e
máquinas agrícolas.
Folha - O governo FHC subsidiou
a agricultura. O governo Lula vai
subsidiar o quê?
Lessa - Pergunte ao presidente
da República. O BNDES não é
uma fonte de subsídio. Fonte de
subsidio é o Tesouro.
Folha - As novas políticas operacionais, em fase de definição, vão
diferenciar taxas de juros para
apoiar setores...
Lessa - As políticas do BNDES
sempre diferenciaram. Nunca
houve aqui uma única taxa.
Folha - Como o banco fará para
estimular a substituição de importações?
Lessa - Há variadíssimos instrumentos. Estou apaixonado pelos
navios offshore. Como estamos
fazendo isso? O BNDES é o gestor
do Fundo de Marinha Mercante.
O fundo é autorizado a financiar
embarcações. As empresas que
operam no apoio ao offshore [indústria do petróleo no mar] são,
em geral, de capital estrangeiro.
Só tem uma de capital brasileiro.
Os navios que eles utilizavam
eram, quase todos, arrendados fora. Porém, nos contratos eles assumiram a obrigação de substituir por navios feitos aqui. O que
estamos fazendo? Substituindo os
navios por barcos feitos aqui.
Folha - Nos eletroeletrônicos o
país tem um foco?
Lessa - Isso é uma coisa sobre a
qual preciso aprender. Não vou
falar porque não entendo direito.
Muita gente acha que o Brasil tem
que produzir os semicondutores.
Não sei ainda opinar.
Folha - Os índices de nacionalização dos aviões brasileiros ainda são
baixos. Existe a intenção de embutir no apoio à Embraer uma exigência de ampliação desses índices?
Lessa - Exigência é complicado.
Estamos procurando estimular a
Embraer a ampliar o coeficiente
de componentes nacionais. Uma
coisa que gostaria muito de conversar com os produtores de turbinas do mundo era se um deles
não quer vir para o Brasil. Por
exemplo, a GE está há anos no
Brasil. Já começamos até a conversar com eles.
Folha - O banco leiloará mesmo
as ações da Eletropaulo para recuperar os créditos com a AES [dona
da Eletropaulo]?
Lessa - Está tudo andando. Não
há acelerações nem retardamentos. Vamos tocar os procedimentos. Vou levar a leilão, a não ser
que nos paguem US$ 1,2 bilhão.
Folha - Quem comandará a empresa surgida da fusão da Varig e
da TAM?
Lessa - A nova empresa de aviação do Brasil terá que ter uma direção tipicamente profissional.
Folha - A TAM?
Lessa - É só uma acionista. A Varig é outra. A Infraero é outra provável, a BR outra. Não posso falar
nada porque o BNDES não recebeu ainda a pactuação entre a Varig e a TAM.
Folha - Qual nome o sr. daria à nova empresa?
Lessa - Acho que a operação brasileira no exterior não poderia
abrir mão do nome Varig. Mas estou dizendo isso como leigo.
O sr. acha que a TJLP [taxa de juros de longo prazo], em 12%, está
no nível adequado para que o
BNDES financie o desenvolvimento
do país?
Lessa - O que você está fazendo é
uma pergunta toda engraçadinha
para perguntar o seguinte: o
BNDES gostaria de operar com
juros mais baixos? Certamente
que sim. Qualquer banco de fomento tem interesse em operar
com taxas mais baixas.
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