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Para Berzoini, bancos brasileiros
têm comportamento cartelizado
LEONARDO SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O ministro da Previdência Social, Ricardo Berzoini, 43, afirmou, em entrevista à Folha, que
"um banco público pode, na atual
condição da economia, praticar
taxas menores que os demais
bancos, sacrificando parte da
margem de lucro".
Folha - Por que o governo decidiu
fomentar as cooperativas de crédito?
Ricardo Berzoini - Durante o debate sobre o programa de governo, na discussão sobre o "spread"
bancário, levamos a preocupação
de criar alternativas de crédito ao
sistema financeiro de grande escala, que tem um comportamento
quase cartelizado. [As alternativas] seriam os exemplos bem sucedidos da Europa, dos EUA e do
Canadá de cooperativas de crédito mútuo.
Folha - A concorrência das cooperativas pode forçar as grandes instituições financeiras a reduzir o
"spread"?
Berzoini - É um dos instrumentos que ajudam. É evidente que há
outros. A própria política de crédito dos bancos oficiais pode ser
um instrumento eficiente para
ajudar a direcionar o mercado.
Folha - Quais bancos?
Berzoini - Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. Uma política de crédito que seja eficaz do
ponto de vista do resultado dessas
empresas e ainda sim cobrando
juros menores do que se pratica
no mercado como um todo. Isso é
possível, é viável e, principalmente, se for direcionado para nichos
específicos, como no financiamento do capital de giro das micro e pequenas empresas ou no financiamento para determinadas
áreas de consumo.
Folha - O senhor foi bancário,
funcionário do Banco do Brasil. É
possível o BB reduzir hoje o
"spread" sem prejudicar a rentabilidade do banco, sem prejudicar o
acionista minoritário?
Berzoini - O Brasil tem hoje duas
fontes de "funding" [recursos] a
custos bem mais baratos do que o
da taxa básica da economia, a Selic. Uma é o FAT [Fundo de Amparo ao Trabalhador] e a outra é o
FGTS [Fundo de Garantia do
Tempo de Serviço]. Nesses dois
sistemas nós temos recursos que
podem ser aplicados de maneira
prudencial, porém bastante menos onerosa.
No caso do FGTS, direcionando
especialmente para habitação,
tanto para construção e compra
quanto para reformas, e para saneamento básico. No caso do
FAT, uma série de aplicações que
podem ser ampliadas no financiamento a micro e pequenas empresas numa política de manutenção e geração de empregos.
Folha - Mas independentemente
dos recursos do FAT e do FGTS, o BB
poderia reduzir o "spread"?
Berzoini - Um banco público pode, na atual condição da economia, praticar taxas menores que
os demais bancos, sacrificando
parte da margem de lucro, mas
ainda bem acima do padrão internacional, e ganhando na escala,
atraindo novos correntistas e operações de crédito. Ou seja, expandindo sua oferta de crédito.
Folha - O banco perderia um pouco por operação, mas ganharia numa base maior?
Berzoini - Perde em relação a
uma situação extorsiva, que é o
atual "spread". Ou seja, perde em
relação à situação brasileira, mas,
em relação à situação internacional, [a margem] continua muito
acima e tem o potencial de induzir
a redução da taxa de juros do
mercado por meio de maior disputa de clientes.
Folha - Mas é possível reduzir o
"spread" mesmo para as operações
cujos recursos não venham do FAT
e do FGTS?
Berzoini - Mesmo sem utilizar
esses recursos já dá para reduzir o
"spread". Na realidade, esses recursos têm sido utilizados para
operações de crédito específicas.
Infelizmente, hoje o FGTS, por
decorrência até de decisões anteriores a este governo, tem mais de
R$ 30 bilhões em LFTs [Letras Financeiras do Tesouro]. Portanto,
é um fundo que tem características sociais, mas que na prática
acaba sendo utilizado para rolagem da dívida interna.
Folha - Se o governo usar os bancos públicos como instrumento de
política de crédito, é possível forçar as instituições privadas a cobrar juros menores?
Berzoini - Você consegue no mínimo criar parâmetros de crédito
muito mais adequados.
Folha - O BB é um banco de capital misto, com ações em Bolsa. A redução do "spread" não prejudicaria o acionista minoritário?
Berzoini - Quem compra ações
do Banco do Brasil sabe que está
levando um grande bônus, que é a
segurança de um banco público.
Digamos que o seu risco é muito
menor do que o de quem compra
ações de um outro banco.
Portanto, junto com esse bônus
ele pode ter eventualmente uma
rentabilidade menor, sem nenhum prejuízo. Não faz sentido
um patrimônio público ficar subordinado a metas de rentabilidade desvinculada de um objetivo
social.
Folha - É possível o Banco do Brasil ter maior foco na área social?
Berzoini - Todos os bancos oficiais podem ter. O Banco do Brasil, a CEF podem ter um papel
fundamental na expansão da
oferta de crédito e na melhoria
das taxas cobradas por todo o
mercado. É uma questão de adaptar, digamos, a mentalidade estratégica do banco para o papel que
se justifique de uma instituição
pública. Ou seja, promover o crédito a taxas adequadas para quem
vai tomar esse crédito.
Folha - Nos últimos dois meses, a
inadimplência das pessoas físicas
caiu, os juros básicos da economia
não foram alterados e as alíquotas
do compulsório permaneceram as
mesmas. Mesmo assim os bancos
aumentaram o "spread". O que justifica isso?
Berzoini - Acho que os bancos na
verdade estão avançando cada
vez mais sobre as operações de
crédito no sentido de ganhar mais
dinheiro. A baixa oferta de crédito
propicia um mercado bastante
restrito e que acaba sendo um fator de formação de juros altos.
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