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CVM critica rumo dos debates do pré-sal
Para presidente da Comissão, país precisa aprender a discutir questões delicadas que mexem com os preços do mercado
Maria Helena Santana diz que não se deve discutir publicamente informações sobre as quais ainda não
há um desfecho definido
TONI SCIARRETTA
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
JANAINA LAGE
DA SUCURSAL DO RIO
A presidente da CVM (Comissão de Valores Mobiliários),
Maria Helena Santana, 49, afirma que o país ainda tem muito
a aprender sobre a necessidade
de não discutir publicamente
informações sobre as quais não
há um desfecho definido.
A polêmica surgiu com o debate sobre o petróleo na camada do pré-sal. Declarações de
autoridades afetaram os papéis
da Petrobras. A empresa tem
até 1 milhão de acionistas e cotistas de fundos, que receberam
informações desencontradas
sobre a eventual criação de
uma estatal. A seguir, os principais trechos da entrevista.
FOLHA - As ações da Petrobras têm
flutuado bastante com os comentários de políticos, ministros e do presidente. Até que ponto estatais devem ter uma regulação diferente? O
investidor pode ser prejudicado por
essas declarações?
MARIA HELENA SANTANA - A estatal
é diferente. Ela tem um artigo
na lei que autoriza o controlador da empresa -o Estado- a
geri-la de acordo com o interesse público. A primeira coisa que
o investidor tem de saber é que
ela é um bicho diferente. Uma
empresa de saneamento básico
nunca vai ser a mais lucrativa
da Bolsa. Ela vai ter sempre
metas de universalização do
atendimento. Vai ter de se viabilizar como empresa mesmo
tendo que dar conta de um papel dessa ordem. Vai ter de tentar ser eficiente, prestar contas,
se vier buscar a poupança do
público e se tornar de capital
aberto. O investidor precisa saber disso até para não ser surpreendido e entender mal o papel da companhia. Independentemente disso, como sociedade, nós todos temos muito
que avançar no sentido de entender a importância das regras do mercado de capitais, a
importância de não discutir publicamente questões sobre as
quais a empresa não tenha se
manifestado, não trazer para o
mercado informações que confundam o investidor, que atrapalhem a formação de preço,
que indiquem em uma direção
em que nada está garantido que
aquilo venha a se confirmar.
FOLHA - Isso vale para o governo?
SANTANA - Claro. Não é só o governo, é algo que ainda não está
presente nas preocupações
nem dos gestores públicos nem
das pessoas. Acho que estamos
nos familiarizando com isso. O
mercado está sendo cada vez
mais importante. Nosso papel é
trabalhar e tratar a empresa estatal como qualquer outra. As
empresas são chamadas a se
manifestar diante de manchetes, boatos, oscilações de preços da mesma forma que as empresas privadas.
FOLHA - E governantes também
podem ser responsabilizados?
SANTANA - Eles não podem ser
chamados pela CVM.
FOLHA - E outro órgão regulador?
O presidente da ANP, Haroldo Lima,
poderia ser chamado?
SANTANA - Ele não pode ser cobrado pela CVM porque não é
administrador de companhia
aberta, não é controlador nem
participante do mercado.
FOLHA - Quais são as dificuldades
para detectar irregularidades?
SANTANA - Faz falta a rapidez
para quebrar um sigilo bancário no meio de uma investigação. Seguir o caminho do dinheiro é importante como evidência. Se a gente conseguir
que tramite bem no Congresso
o pedido de compartilhamento
de informações com o BC, vai
ser muito melhor [o trabalho].
FOLHA - A estrutura da CVM hoje é
suficiente para fiscalizar o mercado?
SANTANA - Nós temos 450 servidores. Estamos com concurso aprovado para repor funcionários que saíram ou se aposentaram, o equivalente a mais
30 vagas. No ano que vem, nós
temos uma proposta de aumento de 165 vagas. A CVM não
recebe funcionários novos desde 2004. Além do crescimento
do mercado, temos uma leva de
pessoas importantes que vão se
aposentar.
FOLHA - Tem quarentena?
SANTANA - Só para presidente.
Para os diretores, não. É uma
coisa que poderia ser corrigida,
porque não é justo. Todos os diretores [que saem] ficam em
casa por quatro meses para
preservar a sua imagem sem
ganhar nada.
FOLHA - A CVM ficou sabendo da
Operação Satiagraha pelos jornais.
Houve saia justa com a PF?
SANTANA - Não teve saia justa,
só uma percepção de que todo
mundo teria a ganhar com a
parceria. Seria bom que, quando tivesse uma companhia
aberta envolvida e diante da
avaliação do impacto no mercado, a gente pudesse discutir
isso e preservado o sigilo da
operação. Estamos discutindo
isso com a própria PF.
FOLHA - Como a senhora avalia a
atual crise na Bolsa?
SANTANA - A sensação de muitos investidores é que perderam dinheiro -embora o prejuízo só se realize quando você
vende. Vindo numa balada
muito forte, como não se via há
alguns anos, ajuda não só a
afrouxar a disciplina, mas também a deixar de ver algumas
fragilidades importantes.
FOLHA - A Bolsa brasileira viveu
uma bolha em 2007?
SANTANA - Se a situação lá fora
não tivesse se agravado, muito
provavelmente isso não teria se
alterado. Compravam motivados pela perspectiva de chegar
o grau de investimento, como
chegou. Tinha tudo para continuar, se não tivesse sido impactado por uma crise importada.
FOLHA - Como a senhora avalia o
interesse crescente pelo mercado
acionário e os vários lançamentos
de livros de finanças pessoais?
SANTANA - Acho superpositivo.
Com esse processo, a gente vai
construir uma cultura. Não será do dia para a noite que a gente vai ter, por parte das pessoas
físicas que querem se informar,
condições de ser seletivo em relação ao que é auto-ajuda ou clichê, daquilo que é informação
que faz diferença na tomada de
decisão. Francamente, com os
preços mais deprimidos, é um
momento bem mais interessante para o investidor olhar
para o mercado do que aquele
em que já está em todas as
manchetes. É o famoso "apito
de chamar pato".
FOLHA - Quer dizer que, quando a
gente noticia, já era...
SANTANA - Quando os caras estão falando muito, já foi.
FOLHA - Como a senhora avalia a
tentativa de regular jornalistas?
SANTANA - A CVM não propôs
qualquer regulação para jornalistas. Fizemos uma proposta
de regulação da atividade de
analista, dando um tratamento
privilegiado aos jornalistas que
exercessem a atividade. O conteúdo não foi considerado necessário por nenhum setor. Os
analistas argumentaram que
não há justificativa. E os jornalistas não viram vantagens no
tratamento diferenciado.
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