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ENTREVISTA: ROGER AGNELLI
Para o presidente da Vale, país tem vantagens competitivas, mas precisa ainda investir pesadamente em educação e infra-estrutura
Brasil nunca esteve tão consciente
SÉRGIO MALBERGIER
KENNEDY ALENCAR
ENVIADOS ESPECIAIS AO RIO
No comando da mineradora Vale do Rio Doce, maior
empresa privada do país, Roger Agnelli, 49, não poupa
elogios ao presidente Lula: "Genial, genial. É a síntese
de tudo. Impossível não gostar dele". Para um dos
principais executivos do país, o Brasil nunca esteve
tão apreciado no exterior e tão consciente de seus problemas e potencial. Mas ele reclama das dores do crescimento, como energia escassa e cara. Por isso, quer
participar de um consórcio para disputar a construção da hidrelétrica de Belo Monte (PA), que será a segunda maior do país, depois de Itaipu. Leia a seguir
trechos da entrevista concedida na sede da Vale, no
centro do Rio de Janeiro.
FOLHA - Como o sr. vê o Brasil daqui a 20 anos?
ROGER AGNELLI - O Brasil nunca
esteve tão consciente dos seus
problemas, da sua realidade e
do seu potencial como hoje. A
educação é a prioridade número 1 do país. O Brasil é muito
sensível às questões sensíveis
nos países desenvolvidos: a social e a ambiental. Estamos à
frente de outros que têm o mesmo estágio de desenvolvimento
ao priorizar essas questões.
Se fizermos a lição de casa,
investirmos pesado em educação e em infra-estrutura, vejo
um país com um futuro brilhante. Já estamos num ciclo
positivo de desenvolvimento.
Viajo mundo afora e vejo que a
sociedade brasileira está muito
madura para dar um grande
salto de qualidade. Há hoje
consciência econômica de que
inflação é ruim. Há preocupação em resolver a questão da
segurança, que se trata também
com educação e com crescimento. A inclusão social é importante ao desenvolvimento.
Estamos entrando no capitalismo numa nova fase, a das
grandes empresas dispostas a
obedecer às regras internacionais. Para competir internacionalmente, essas empresas têm
de se enquadrar dentro de padrões de gestão, de transparência, de ética. Ao mesmo tempo,
grandes empresas familiares
têm o seu controle acionário
pulverizado. Empresas nesse
estágio se diferenciam das estritamente familiares.
FOLHA - E os problemas? O sr. mesmo já reclamou da insegurança
energética, licenças ambientais que
demoram, falta de mão-de-obra.
AGNELLI - Dez anos atrás a Vale
foi uma das primeiras empresas do Brasil a se jogar para o
mercado internacional, a acelerar o seu crescimento. O crescimento alerta para carências.
Uma empresa só cresce com
pessoas, se houver uma criação
constante de talentos. Uma
empresa de mineração sem infra-estrutra -energia, porto,
estrada- não vai a lugar nenhum. Eram problemas que
não vinham à tona porque o
país não estava crescendo. Vivo
no dia-a-dia, na dianteira, problemas e carências porque a
empresa cresce fortemente.
FOLHA - O presidente costuma dizer que a Vale devolve pouco ao Brasil na comparação com o que extrai,
que tem de investir mais no país.
AGNELLI - O presidente tem
uma posição privilegiada. E pode sem dúvida cobrar que a iniciativa privada faça mais. Se ele
tem uma cabeça desenvolvimentista, ela cobra mais. Isso é
extraordinariamente positivo,
desafiador. Por outro lado,
nunca se negou a resolver nenhum problema e a abrir portas
para que a Vale possa crescer
cada vez mais no país e no mundo. O Itamaraty e o presidente
têm nos ajudado, nas relações
internacionais, a enxergar
oportunidades. Começamos a
trabalhar em Moçambique a
partir de uma viagem do presidente. Lá, ele disse: "Moçambique tem carvão. Vocês não têm
interesse em carvão?". Ele cobra, mas ajuda. No Peru, ele nos
ajudou com o [então] presidente [Alejandro] Toledo.
FOLHA - A produção de alumínio
no Brasil hoje é inviável?
AGNELLI - Na cadeia de alumínio, temos uma reserva de bauxita gigantesca, é uma das melhores e maiores reservas do
mundo. E a Vale detém boa
parte dessas reservas. O preço
de venda da bauxita é US$ 30.
Quando vai para alumina, que é
a fase seguinte da produção de
alumínio, você vende por US$
500. Quando vai para o alumínio, US$ 3.000. Aí tem um problema. Há uma questão de "timing" do crescimento do país,
que precisa de mais energia.
Tem de ter energia para tocar
um projeto na área de alumínio. Hoje não dá, porque não
tem energia suficiente. Esses
problemas surgem quando o
país e a empresa estão crescendo. Nos últimos cinco anos,
inauguramos oito hidrelétricas. Estamos querendo construir uma térmica. Estamos
construindo uma nova hidrelétrica, no Maranhão. Temos interesse em Belo Monte. Isso
dependerá de o governo colocá-la em licitação.
FOLHA - O sr. vê risco de faltar energia no médio prazo, até 2012, 2013?
AGNELLI - Temos de analisar
energia em duas vertentes. A
vertente da oferta está justa.
Não vejo risco de faltar. Mas
tem uma outra vertente que é o
custo de energia, que está alto
no Brasil. Não se resolve isso no
curtíssimo prazo.
FOLHA - O negócio com a Xstrata
não deu certo. A Vale fez uma captação de US$ 12 bilhões, e o sr. disse
que a prioridade seria fazer pequenas aquisições.
AGNELLI - As prioridades mudam. A prioridade da Vale é
crescer organizadamente. Não
há nenhuma empresa de mineração no mundo com o potencial de crescimento que tem a
Vale. Nenhuma empresa tem
uma base de ativos e uma área
de exploração tão fortes.
FOLHA - Analistas dizem que a Vale
precisa diversificar, não ficar tão
centrada no minério de ferro e no níquel. Dizem que cobre seria a terceira perna. É por aí?
AGNELLI - O potencial de crescimento em cobre, de crescimento orgânico, é muito forte. O potencial em carvão, também
crescimento orgânico, é muito
forte na África, na Austrália,
mesmo aqui na América Latina, no caso da Colômbia, onde a
gente está fazendo pesquisas.
Estamos furando para achar
carvão e fazer a avaliação desses depósitos. No caso de minério de ferro, a Vale tem a posição de liderança forte e consolidada, com as maiores e melhores reservas de minério. No caso do níquel, temos as maiores
e melhores reservas e somos os
maiores produtores de níquel
do planeta. Temos potencial de
crescimento forte no alumínio,
no qual temos uma base muito
grande de bauxita. No alumínio
em si, a restrição é a energia. No
caso do cobre, as reservas no
Brasil são relativamente limitadas. Outros países da América do Sul têm reservas com potencial, como o Chile, onde estamos abrindo uma nova mina.
Tem a África, que é um mundo
a ser explorado, a ser descoberto. E a gente está posicionado
na África, buscando novos depósitos. Uma aquisição, só se
for uma oportunidade.
FOLHA - O sr. concorda com a necessidade de diversificação?
AGNELLI - Tem um pouco de
moda nisso. Em alguns momentos, quando o mercado está muito bom, todo mundo
quer diversificar porque está
com dinheiro no caixa. Quando
o mercado está ruim, todo
mundo quer ficar concentrado,
focado, o chamado "core business". A gente tem de buscar algum equilíbrio. A Vale é uma
mineradora. Vamos crescer em
cobre, em carvão. Se aparecer
oportunidades, vamos analisar.
O que a gente tem de ter é juízo.
Os ativos hoje têm em seus preços uma expectativa de um ciclo longo de commodities.
Acreditamos que essa ainda é
uma tendência. Os mercados
continuam ainda muito fortes.
O mundo precisa cada vez mais
de recursos naturais. A conta
que tem de ser é: qual é a forma
com a qual você cria mais valor
para o seu organismo? Na nossa conta, através do crescimento orgânico. O crescimento orgânico da Vale vai gerar muito
mais retorno do que uma aquisição a preços de hoje dos ativos. O mundo está passando,
num horizonte de curto prazo,
por uma crise financeira. Hoje,
se alavancar, captar recursos
no mercado, ficou mais caro. E
estão mais escassos. Isso penaliza o retorno para o acionista.
É uma fase com muito mais disciplina e cautela. Não é crescer
por crescer. É crescer com qualidade. Ativos mineiros são a
base da indústria. Você só é
uma grande mineradora se você tiver grandes ativos.
FOLHA - As ações da Vale podem
fechar em queda neste ano após
anos de fortes altas. O que dizer aos
acionistas?
AGNELLI - No mercado de ações,
tem de ter visão de longo prazo.
No longo prazo, não tenho dúvida. No curto prazo, sobe, cai.
Ninguém vai acertar na loteria.
Comprar ações como quem vai
jogar na loteria está errado.
Tem de olhar os fundamentos
da empresa. Os da Vale são
muito sólidos. Hoje, há uma
crise no mercado financeiro,
que está se ajustando. Hoje, o
risco é maior do que era há dez
meses. Isso não significa que
daqui a dez meses vá estar
maior. Pode ser que esteja menor do que hoje.
FOLHA - E as commodities?
AGNELLI - O ciclo das commodities será longo. Vários países
estão crescendo, vão continuar
crescendo e têm de investir pesadamente em infra-estrutura.
Esses investimentos exigem
muito minério de ferro, cobre,
alumínio, níquel, requerem tudo. No caso de grandes descobertas de petróleo em alto-mar,
o uso do níquel é necessário
porque é um metal não-corrosivo. Muitas plataformas estão
sendo construídas, muitos prédios estão sendo construídos.
Nunca o mundo passou por um
momento como este.
FOLHA - O sr. está parecendo o Lula, com essa história de nunca antes...
AGNELLI - [Rindo] Estou fazendo um plágio, mas é verdade. O
número de pessoas que estavam fora e que estão entrando é
brutal. O mundo sempre esteve
dividido entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento. A demanda sempre esteve nos desenvolvidos, no Ocidente. Só que o Ocidente hoje
está com população madura e
tem um crescimento modesto.
Olhe os Estados Unidos, a Europa. Onde está o dinheiro do
mundo hoje? Está na Ásia. O
caixa do mundo está na Ásia.
Onde está o maior mercado
consumidor mundial? Está na
Ásia. E onde os mercados mais
crescem? Na Ásia. Onde está a
base de tecnologia hoje? Está
espalhada, mas eu diria que
Ásia tem uma grande concentração. Onde estão sendo construídas novas economias? Na
Ásia. A China é um exemplo, a
Índia pode ser um outro exemplo, o Oriente Médio, o Vietnã,
a Indonésia. O crescimento
desses países tem sido forte. O
investimento em infra-estrutura deles tem feito com que consumam mais da metade das
commodities do mundo inteiro. E o Brasil precisará de uma
barbaridade de aço, de cobre,
de aço inox.
FOLHA - A Vale enviou ao ministro
Tarso Genro (Justiça) uma carta com
restrições à indicação de Arthur Badin para presidir o Cade (Conselho
Administrativo de Defesa Econômica). Por quê?
AGNELLI - Primeiro ponto. Se
tem governo, tem de procurar
apoiar. Se tem autoridade, tem
de respeitar. Antes da indicação de quem quer que seja para
presidir o Cade, o nosso julgamento é que o Cade é uma instituição de extrema relevância,
de extrema importância para o
país. O mundo tem passado por
um processo muito rápido de
concentração empresarial, o
que precisa ser analisado com
muita profundidade. O nível
das pessoas no Cade tem de ser
um nível muito elevado. Tem
de ter quilômetros rodados. O
Cade não é simplesmente uma
questão de decidir o que fazer e
o que não fazer. Ele julga. Uma
pessoa para julgar tem de ter
muitos quilômetros rodados.
Nós nos manifestamos de forma muito aberta, antes de qualquer indicação. Não é nada
contra a pessoa. Pelo contrário.
É um ótimo profissional, mas a
gente entende que para julgar é
preciso mais base, mais experiência. Se ele for eleito presidente do Cade, vamos respeitar, apoiar.
Leia a continuação da entrevista em que Agnelli fala de política e de seus hábitos pessoais.
www.folha.com.br/082511
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