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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS
Rússia, China e Índia ensaiam novo eixo asiático
GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA
A diplomacia de Bush insiste há um ano na divisão
do mundo em duas partes. Numa, os aliados que defendem a
democracia. Na outra, o terrorismo de Estado aliado a movimentos islâmicos fundamentalistas. Em tese, quem não está
com Bush está contra a democracia e o Ocidente. Na prática,
esse discurso vem perdendo
aderência ao mundo real nos últimos meses.
Um exemplo articulado de
movimentação geopolítica claramente desalinhada foi dado
na semana passada pelo presidente russo, Vladimir Putin, que
visitou a China e a Índia pregando a formação de um eixo asiático alinhavado pelas três grandes
potências regionais. Elas compartilham vários interesses estratégicos, e o seu mínimo denominador comum pode ser o sonho de reconstruir um contraponto global ao poder dos EUA.
O ponto mais imediato de
convergência, no entanto, é de
ordem doméstica. Rússia (na
Tchetchênia), China (em sua
fronteira noroeste) e Índia (norte, contra o Paquistão) enfrentam movimentos islâmicos cada
vez mais ativos, que se desdobram em redes e recorrem com
intensidade crescente a ataques
terroristas. Os ataques de 11 de
setembro, ao indicarem os EUA
como inimigo maior, servem
bem ao propósito de encontrar
um inimigo forte e distante o suficiente para, ao menos em tese,
unir todas as correntes islâmicas
que atuam no Oriente.
Os governos da Rússia, China
e Índia têm muito mais a temer,
de modo mais imediato e cotidiano, a julgar pela popularidade crescente das tendências islâmicas rebeldes. Na prática, o terror islâmico talvez pareça igualmente ameaçador tanto para os
norte-americanos quanto para
os asiáticos, mas a luta contra o
terrorismo não é suficiente para
unir todos esses governos sob o
comando dos EUA.
A questão econômica subjacente à impossibilidade de uma
frente única contra o terror islâmico é o controle das fontes de
energia do planeta. Os EUA têm
interesse estratégico na geopolítica da energia planetária.
Rússia, China e Índia, potências nucleares e atualmente os
únicos países capazes de liderar
projetos de industrialização acelerada com um mínimo de dependência financeira externa,
precisam de muita energia (petróleo e gás) para crescer.
Crescimento que, se não acontecer a taxas altas por longos períodos, colocará centenas de milhões de indivíduos numa situação de pobreza que é solo fértil
para a propaganda fundamentalista. Propaganda que é financiada por países como a Arábia
Saudita e o Iraque, em que a matéria-prima petróleo é tão abundante quanto a fé no Islã.
Não é por acaso que, além dos
projetos militares conjuntos,
Rússia, China e Índia discutem
novas formas de colaboração no
campo energético e nuclear. Esses líderes asiáticos precisam
construir um contraponto nos
campos militar, econômico e
energético à promessa norte-americana de desempenhar o
papel de árbitro dos principais
conflitos internacionais.
O desempenho cada vez mais
precário da economia norte-americana torna a articulação
de um pacto asiático ainda mais
premente para essas lideranças
regionais. Sem o dinheiro fácil
antes oferecido pelos países centrais aos "mercados emergentes", a busca de uma alternativa
geopolítica torna-se uma questão de sobrevivência.
As ameaças fundamentalistas
e a necessidade de crescer para
conter as angústias de populações asiáticas gigantes são fatores imediatos que tornam inverossímil a pretensão dos EUA de
se tornar o guardião da civilização contra os impérios do mal.
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