São Paulo, domingo, 08 de dezembro de 2002

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COMÉRCIO

Negociação com Chile sugere que americanos vêem Alca como meio de "anexação" do continente, avaliam petistas

Caso do Chile revive receio do PT sobre a Alca

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

A visita do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva ao Chile serviu para reavivar os receios do PT de que o modelo dos Estados Unidos para a Alca (Área de Livre Comércio das Américas) é menos o de um acordo comercial e mais o de "anexação" da América Latina.
A palavra "anexação" foi usada mais de uma vez por Lula, no início da campanha eleitoral, mas abandonada depois que a perspectiva de vitória se consolidou e o candidato adotou a tônica "Lulinha paz e amor" também no plano externo.
Na visita ao Chile, a comitiva do PT foi informada dos detalhes da negociação entre o Chile e os EUA para um acordo de livre comércio que corre paralelamente aos entendimentos para a Alca (que deverá abranger os 34 países americanos, menos Cuba). Foram tais detalhes que devolveram ao partido o receio de "anexação".
Diz, por exemplo, o senador eleito Aloizio Mercadante, secretário de Relações Internacionais do PT, membro da comitiva de Lula e uma de suas vozes mais autorizadas na questão externa:
"O acordo com o Chile não pode servir de parâmetro para as negociações futuras dos Estados Unidos com a América Latina".
Os petistas saíram com a certeza de que o Chile está sendo uma espécie de cobaia para a Alca porque, na área de telecomunicações, os EUA pedem que o setor seja liberalizado e privatizado. Os chilenos responderam que já era aberto e privatizado, mas Washington insistiu em que a tese de liberalização e privatização deveria constar do acordo assim mesmo, como parâmetro para os demais países latino-americanos.
Há um punhado de motivos para que o PT desconfie dos termos que os EUA querem impor na Alca, mas o principal é o tratamento ao investimento externo.
Tanto na negociação com o Chile como nas propostas já apresentadas para a Alca, Washington defende a aplicação no hemisfério do capítulo 11 do Nafta (o acordo de livre comércio entre EUA, Canadá e México), que dá irrestrita liberdade ao capital estrangeiro.
Proíbe que o país receptor imponha níveis específicos de conteúdo local; que se dê alguma preferência para a compra de bens produzidos localmente; que haja equilíbrio entre importações e exportações produzidas pelo investimento; que se exija transferência de tecnologia e assim por diante.
Mais: o investidor pode recorrer até a foros internacionais contra medidas governamentais que considerar prejudiciais à empresa. Há exemplos perniciosos concretos: a norte-americana Ethyl Corporation conseguiu do governo canadense uma indenização de US$ 13 milhões por ter sido proibida de usar um aditivo para gasolina que contém toxina que afeta o sistema nervoso central.

Mais paz e amor
Nem a constatação de que as propostas norte-americanas para a Alca são inaceitáveis fará, no entanto, com que Lula abandone o estilo "paz e amor" na visita a Washington, no dia 10. Ao contrário, o petista está disposto a explorar ao máximo o que pode ser consensual entre os dois países, em vez de puxar pelo contencioso comercial e econômico óbvio.
Exemplo: como convidado, Lula deixará ao anfitrião George W. Bush puxar a conversa para o assunto que quiser e sabe que combate ao terrorismo será um deles, por ser a prioridade absoluta da política externa americana desde os atentados de 11 de setembro.
Se Bush pedir cooperação do Brasil de Lula, o presidente eleito não criticará o belicismo norte-americano, ao contrário do que fez na campanha. Sairá pela tangente, fazendo candente defesa das organizações multilaterais, inclusive no único discurso formal previsto (a ser feito no National Press Club). Ou, posto de outra forma: o Brasil não se oporá a uma eventual ofensiva contra o Iraque, desde que tenha sido referendada pelas Nações Unidas.
Lula quer aproveitar a boa vontade das autoridades norte-americanas, a ponto de Bush ter aberta uma rara exceção, a de convidar um presidente eleito para uma conversa no "Oval Office", o coração da Casa Branca.
Não é tudo: o embaixador brasileiro em Washington, Rubens Barbosa, conta ter ouvido de uma alta autoridade norte-americana, cujo nome prefere preservar, a afirmação de que o interesse dos Estados Unidos é o de que "o governo Lula dê certo".
O embaixador conta estar sendo assediado, inclusive pela Casa Branca, para incluir mais e mais convidados na recepção que oferecerá a Lula na embaixada, na noite de segunda-feira.
Mas o estilo "paz e amor" não impedirá que Lula toque em temas contenciosos, como a inquietação do PT sobre a Alca, no discurso do National Press Club. Nele falará ainda da necessidade de que se restabeleça o crédito para o Brasil, o principal motivo da alta do dólar, o que torna ainda mais difícil o início do governo Lula.


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