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COMÉRCIO
Negociação com Chile sugere que americanos vêem Alca como meio de "anexação" do continente, avaliam petistas
Caso do Chile revive receio do PT sobre a Alca
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
A visita do presidente eleito Luiz
Inácio Lula da Silva ao Chile serviu para reavivar os receios do PT
de que o modelo dos Estados Unidos para a Alca (Área de Livre Comércio das Américas) é menos o
de um acordo comercial e mais o
de "anexação" da América Latina.
A palavra "anexação" foi usada
mais de uma vez por Lula, no início da campanha eleitoral, mas
abandonada depois que a perspectiva de vitória se consolidou e
o candidato adotou a tônica "Lulinha paz e amor" também no plano externo.
Na visita ao Chile, a comitiva do
PT foi informada dos detalhes da
negociação entre o Chile e os EUA
para um acordo de livre comércio
que corre paralelamente aos entendimentos para a Alca (que deverá abranger os 34 países americanos, menos Cuba). Foram tais
detalhes que devolveram ao partido o receio de "anexação".
Diz, por exemplo, o senador
eleito Aloizio Mercadante, secretário de Relações Internacionais
do PT, membro da comitiva de
Lula e uma de suas vozes mais autorizadas na questão externa:
"O acordo com o Chile não pode servir de parâmetro para as negociações futuras dos Estados
Unidos com a América Latina".
Os petistas saíram com a certeza
de que o Chile está sendo uma espécie de cobaia para a Alca porque, na área de telecomunicações,
os EUA pedem que o setor seja liberalizado e privatizado. Os chilenos responderam que já era aberto e privatizado, mas Washington
insistiu em que a tese de liberalização e privatização deveria constar do acordo assim mesmo, como parâmetro para os demais
países latino-americanos.
Há um punhado de motivos para que o PT desconfie dos termos
que os EUA querem impor na Alca, mas o principal é o tratamento
ao investimento externo.
Tanto na negociação com o Chile como nas propostas já apresentadas para a Alca, Washington defende a aplicação no hemisfério
do capítulo 11 do Nafta (o acordo
de livre comércio entre EUA, Canadá e México), que dá irrestrita
liberdade ao capital estrangeiro.
Proíbe que o país receptor imponha níveis específicos de conteúdo local; que se dê alguma preferência para a compra de bens
produzidos localmente; que haja
equilíbrio entre importações e exportações produzidas pelo investimento; que se exija transferência
de tecnologia e assim por diante.
Mais: o investidor pode recorrer
até a foros internacionais contra
medidas governamentais que
considerar prejudiciais à empresa. Há exemplos perniciosos concretos: a norte-americana Ethyl
Corporation conseguiu do governo canadense uma indenização
de US$ 13 milhões por ter sido
proibida de usar um aditivo para
gasolina que contém toxina que
afeta o sistema nervoso central.
Mais paz e amor
Nem a constatação de que as
propostas norte-americanas para
a Alca são inaceitáveis fará, no entanto, com que Lula abandone o
estilo "paz e amor" na visita a
Washington, no dia 10. Ao contrário, o petista está disposto a explorar ao máximo o que pode ser
consensual entre os dois países,
em vez de puxar pelo contencioso
comercial e econômico óbvio.
Exemplo: como convidado, Lula deixará ao anfitrião George W.
Bush puxar a conversa para o assunto que quiser e sabe que combate ao terrorismo será um deles,
por ser a prioridade absoluta da
política externa americana desde
os atentados de 11 de setembro.
Se Bush pedir cooperação do
Brasil de Lula, o presidente eleito
não criticará o belicismo norte-americano, ao contrário do que
fez na campanha. Sairá pela tangente, fazendo candente defesa
das organizações multilaterais,
inclusive no único discurso formal previsto (a ser feito no National Press Club). Ou, posto de outra forma: o Brasil não se oporá a
uma eventual ofensiva contra o
Iraque, desde que tenha sido referendada pelas Nações Unidas.
Lula quer aproveitar a boa vontade das autoridades norte-americanas, a ponto de Bush ter aberta uma rara exceção, a de convidar um presidente eleito para
uma conversa no "Oval Office", o
coração da Casa Branca.
Não é tudo: o embaixador brasileiro em Washington, Rubens
Barbosa, conta ter ouvido de uma
alta autoridade norte-americana,
cujo nome prefere preservar, a
afirmação de que o interesse dos
Estados Unidos é o de que "o governo Lula dê certo".
O embaixador conta estar sendo assediado, inclusive pela Casa
Branca, para incluir mais e mais
convidados na recepção que oferecerá a Lula na embaixada, na
noite de segunda-feira.
Mas o estilo "paz e amor" não
impedirá que Lula toque em temas contenciosos, como a inquietação do PT sobre a Alca, no discurso do National Press Club. Nele falará ainda da necessidade de
que se restabeleça o crédito para o
Brasil, o principal motivo da alta
do dólar, o que torna ainda mais
difícil o início do governo Lula.
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