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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS
Guerra no Iraque camufla disputa entre euro e dólar
GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA
Desvendar os interesses
econômicos e políticos do
atual tabuleiro global é a principal condição para ir além do
contraponto retórico entre
guerra e paz.
Ao longo dos últimos anos,
russos, franceses e alemães fizeram investimentos no Iraque,
que por sua vez converteu suas
reservas cambiais de dólar para
euro. A ONU autorizou essa
conversão em novembro de
2000.
O que era uma operação condenada a dar prejuízo mostra-se
hoje fonte de lucros com a desvalorização do dólar ante o euro
(20% nos últimos 12 meses). As
reservas iraquianas de US$ 10
bilhões foram depositadas na
agência de Nova York do BNP
Paribas, banco francês.
Os russos também acumulam
interesses econômicos no Iraque, a começar por US$ 8 bilhões em créditos a receber. Boa
parte da infra-estrutura iraquiana foi construída pelos russos.
Se ela vai ser destruída ou quem
será responsável pelo seu eventual reerguimento são questões
que interessam diretamente à
Rússia.
Com ou sem guerra, interessa
também aos russos que as tensões mundiais continuem pelo
período mais longo possível. É
uma receita para continuar engordando suas reservas em
moeda forte (euros).
Aliás, boa parte do colapso financeiro russo (moratória) em
1998 pode ser explicada pela
queda nos preços do petróleo
entre janeiro e agosto daquele
ano (preço médio de US$ 15,3 o
barril, contra quase US$ 40 agora). Uma guerra curta que provocasse a queda também rápida
das cotações internacionais do
petróleo enfraqueceria a Rússia.
O enfoque geopolítico também se tornou mais complexo
com o agravamento da crise.
Agora já não há somente uma
"questão iraquiana" sobre o tabuleiro, mas uma crise do projeto europeu. O contraponto entre
os EUA de um lado e França,
Alemanha e Rússia de outro já
não coloca em cena apenas a
geopolítica do petróleo ou o destino do Oriente Médio e da Ásia
Central, mas a própria integridade do projeto de integração
européia.
O fato é que a hegemonia de
Alemanha e França na construção da Eurolândia é, guardadas
as proporções, tão incômoda
para alguns parceiros europeus
quanto a hegemonia dos EUA
seria, em tese, para o conjunto
da UE.
Ou seja, não está em jogo apenas o contraponto entre EUA e
UE, mas a própria estabilidade
do pacto político interno à
União Européia. Os EUA acusaram o Iraque de jogar para dividir os "aliados". Mas, a rigor, são
os EUA que fazem esse jogo e,
radicalizando contra o Iraque,
abrem espaços no interior da
UE para a contestação da hegemonia franco-alemã. Uma estratégia bastante interessante
para os ingleses, cuja adesão ao
projeto europeu esbarra no desconforto diante dos propósitos
franceses e alemães.
Moral da história: o que muitos apresentam como um conflito civilizacional entre "Oriente"
e "Ocidente", entre "pacifistas"
e "militaristas", entre "Jihad" e
"McDonald's" pode não passar
de mais um episódio na longa
história de disputas entre as
principais potências ocidentais.
Asiáticos e islâmicos, que em
geral aparecem (e muitas vezes
se apresentam) como empreendedores de uma revolução "contra" o capitalismo ocidental, podem novamente estar fazendo o
velho papel de bucha de canhão
em conflitos sobretudo ocidentais.
As disputas financeiras que se
escondem por trás das cotações
do dólar e do euro parecem converter a "questão iraquiana" numa bem urdida camuflagem.
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