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LUÍS NASSIF
A namoradinha do Brasil
Alguém qualificou a
cantora Celly Campello
-falecida na semana passada- de primeira namoradinha
do Brasil. A definição foi acertadíssima. Celly foi a primeira expressão brasileira de um fenômeno que, nascido nos Estados
Unidos, se tornaria padrão internacional: a descoberta do jovem como o grande agente de
consumo.
Em meados dos anos 50, os
EUA passavam a consagrar personagens juvenis contemporâneos, as Sandras Dees, James
Dean. Bill Haley e Seus Cometas
explodiam no universo da música pop, seguidos de Chuck Berry
e outros negrões fantásticos.
As chanchadas da Atlântida
tinham feito a primeira tentativa de produzir uma namoradinha para o Brasil, com Eliana,
uma carioca graciosa que apareceu dançando o rock em um
filme nacional animadíssimo,
em que o chefe do conjunto, e
grande dançarino, era o futuro
produtor Augusto César Vanucci.
No início, a indústria fonográfica brasileira ficou meio perdida, sem dispor de uma cantora
jovem para lançar o movimento.
Tanto assim que historiadores
atribuem a primeira gravação
de rock brasileira a Nora Ney,
cantora de voz grossa e rainha
da fossa do samba-canção, lá
pelos idos de 1957.
Quando Celly Campello surgiu, tornou-se na hora a rainha
da juventude, enquanto Sérgio
Murilo, um roqueiro carioca, se
consagrava o rei. Celly era a coleguinha de colégio, a jovem graciosa e família com um repertório ingênuo, de acordo com o estilo "clean" que marcou os anos
50, possivelmente a derradeira
década da elegância mundial.
Sua gravação de "Banho de
Lua" foi sucesso absoluto, a
inauguração do iê-iê-iê brasileiro, precursora do despojamento
que marcaria a Jovem Guarda.
Junto com Celly surgia a galera jovem, com muitos músicos
vindo de outras áreas, como seu
irmão Tony Campello, Sérgio
Murilo, Demétrius, Ronnie
Cord, Ed Wilson. Alguns vinham de guarânias sertanejas,
como Carlos Gonzaga, que conseguiu enorme sucesso com sua
"Diana", de Paulo Anka, em
versão do indefectível Fred Jorge.
Outro pioneiro foi Wilson Miranda, um cantor mais técnico,
que começou interpretando
"standards" do jazz e depois enveredou meio pelo rock-balada,
meio pela chamada música de
fossa de Lúcio Cardim e Waldick
Soriano. Wilson fez um sucesso
danado com as baladas "Alguém É Sempre Bobo de Alguém" e "Suzana". Depois, arriscou uma carreira mais técnica, mas desistiu lá por meados
dos anos 60.
Por trás de tudo estava o campeão Fred Jorge, o rei das versões. No fim dos anos 70 fui ser
jurado em um festival de Rafard
a convite do meu amigo Zé
Grandão, que dirigia o "Diário
do Povo", de Campinas. No
meio do show, vejo o Zé discutindo em altos brados com um
senhor já de idade. Fiquei assustado, porque o Zé sempre foi
uma flor com os mais velhos. Aí,
nacionalista ferrenho, ele me explicou: "Foi ele quem começou o
acanalhamento da música brasileira com as versões". Era o coitado do Fred Jorge, de olhos arregalados, sem entender nada.
No ainda rarefeito firmamento do rock brasileiro, Celly reinava absoluta. Sua primeira gravação foi em 1957, cantando
"Handsome Body", de Mário
Genari Filho e Celeste Novais.
Depois, pegou as primeiras ondas da televisão, apresentando
com o irmão Tony Campello o
programa "Celly e Tony em Hi-Fi" na TV Record. Até 1962 foi a
cantora de maior vendagem do
país, com uma fieira de sucessos.
Entre 1958 e 1960 lançou "Estúpido Cupido" (Neil Sedaka e H.
Greenfield), "Lacinhos Cor-de-Rosa" (Michie Grant), "Túnel
do Amor" (Patty Fischer e Bob
Roberts), "Hei Mama" (Paul
Anka), "Billy" (Kendis & Pauley
e Joey Goodwin), todas versões
de Fred Jorge, e "Broto Legal"
(H. Earnhart) versão de Renato
Corte Real. E, lógico, o "Banho
de Lua", na verdade o rock italiano "Tintarella di Luna" (Fillippi-Migliacci) em mais uma
versão campeã do velho Fred.
Em 1962 Celly deixou de lado o
sucesso mundano e, como boa
moça do interior, resolveu se casar. Isso ocorreu três anos antes
da grande explosão da música
adolescente, com a Jovem Guarda de Roberto e Erasmo Carlos e
Wanderléa.
Mas morre sendo para sempre
a nossa primeira namoradinha.
E-mail - lnassif@uol.com.br
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