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São Paulo, domingo, 09 de março de 2003

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LUÍS NASSIF

A namoradinha do Brasil

Alguém qualificou a cantora Celly Campello -falecida na semana passada- de primeira namoradinha do Brasil. A definição foi acertadíssima. Celly foi a primeira expressão brasileira de um fenômeno que, nascido nos Estados Unidos, se tornaria padrão internacional: a descoberta do jovem como o grande agente de consumo.
Em meados dos anos 50, os EUA passavam a consagrar personagens juvenis contemporâneos, as Sandras Dees, James Dean. Bill Haley e Seus Cometas explodiam no universo da música pop, seguidos de Chuck Berry e outros negrões fantásticos.
As chanchadas da Atlântida tinham feito a primeira tentativa de produzir uma namoradinha para o Brasil, com Eliana, uma carioca graciosa que apareceu dançando o rock em um filme nacional animadíssimo, em que o chefe do conjunto, e grande dançarino, era o futuro produtor Augusto César Vanucci.
No início, a indústria fonográfica brasileira ficou meio perdida, sem dispor de uma cantora jovem para lançar o movimento. Tanto assim que historiadores atribuem a primeira gravação de rock brasileira a Nora Ney, cantora de voz grossa e rainha da fossa do samba-canção, lá pelos idos de 1957.
Quando Celly Campello surgiu, tornou-se na hora a rainha da juventude, enquanto Sérgio Murilo, um roqueiro carioca, se consagrava o rei. Celly era a coleguinha de colégio, a jovem graciosa e família com um repertório ingênuo, de acordo com o estilo "clean" que marcou os anos 50, possivelmente a derradeira década da elegância mundial. Sua gravação de "Banho de Lua" foi sucesso absoluto, a inauguração do iê-iê-iê brasileiro, precursora do despojamento que marcaria a Jovem Guarda.
Junto com Celly surgia a galera jovem, com muitos músicos vindo de outras áreas, como seu irmão Tony Campello, Sérgio Murilo, Demétrius, Ronnie Cord, Ed Wilson. Alguns vinham de guarânias sertanejas, como Carlos Gonzaga, que conseguiu enorme sucesso com sua "Diana", de Paulo Anka, em versão do indefectível Fred Jorge.
Outro pioneiro foi Wilson Miranda, um cantor mais técnico, que começou interpretando "standards" do jazz e depois enveredou meio pelo rock-balada, meio pela chamada música de fossa de Lúcio Cardim e Waldick Soriano. Wilson fez um sucesso danado com as baladas "Alguém É Sempre Bobo de Alguém" e "Suzana". Depois, arriscou uma carreira mais técnica, mas desistiu lá por meados dos anos 60.
Por trás de tudo estava o campeão Fred Jorge, o rei das versões. No fim dos anos 70 fui ser jurado em um festival de Rafard a convite do meu amigo Zé Grandão, que dirigia o "Diário do Povo", de Campinas. No meio do show, vejo o Zé discutindo em altos brados com um senhor já de idade. Fiquei assustado, porque o Zé sempre foi uma flor com os mais velhos. Aí, nacionalista ferrenho, ele me explicou: "Foi ele quem começou o acanalhamento da música brasileira com as versões". Era o coitado do Fred Jorge, de olhos arregalados, sem entender nada.
No ainda rarefeito firmamento do rock brasileiro, Celly reinava absoluta. Sua primeira gravação foi em 1957, cantando "Handsome Body", de Mário Genari Filho e Celeste Novais. Depois, pegou as primeiras ondas da televisão, apresentando com o irmão Tony Campello o programa "Celly e Tony em Hi-Fi" na TV Record. Até 1962 foi a cantora de maior vendagem do país, com uma fieira de sucessos. Entre 1958 e 1960 lançou "Estúpido Cupido" (Neil Sedaka e H. Greenfield), "Lacinhos Cor-de-Rosa" (Michie Grant), "Túnel do Amor" (Patty Fischer e Bob Roberts), "Hei Mama" (Paul Anka), "Billy" (Kendis & Pauley e Joey Goodwin), todas versões de Fred Jorge, e "Broto Legal" (H. Earnhart) versão de Renato Corte Real. E, lógico, o "Banho de Lua", na verdade o rock italiano "Tintarella di Luna" (Fillippi-Migliacci) em mais uma versão campeã do velho Fred.
Em 1962 Celly deixou de lado o sucesso mundano e, como boa moça do interior, resolveu se casar. Isso ocorreu três anos antes da grande explosão da música adolescente, com a Jovem Guarda de Roberto e Erasmo Carlos e Wanderléa.
Mas morre sendo para sempre a nossa primeira namoradinha.

E-mail - lnassif@uol.com.br



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