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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
A outra batalha na OMC
ALOIZIO MERCADANTE
O comércio internacional é
um dos fatores potencialmente determinantes da expansão da economia mundial. Por isso é importante o estabelecimento
de normas justas e transparentes
que regulem as relações comerciais, permitam aos países desenhar suas estratégias de exportação e de importação dentro de um
quadro previsível e favoreçam a
apropriação interna do avanço de
suas atividades produtivas.
A OMC (Organização Mundial
do Comércio), criada em 1994 em
substituição ao antigo Gatt (Acordo Geral de Tarifas e Comércio),
tinha o propósito de universalizar
as normas reguladoras do comércio, tendo em vista as novas condições geradas pelo processo de globalização da economia mundial.
No entanto, inspirada na ideologia neoliberal, a criação desse novo marco institucional fez que prevalecessem os interesses e os critérios das grandes corporações e dos
países mais desenvolvidos. Em
consequência disso, em muitos casos as regras estabelecidas são claramente desfavoráveis aos países
em desenvolvimento, precisamente aqueles que mais necessitariam
aproveitar os benefícios da expansão do comércio internacional.
A maior evidência dessa distorção é o tratamento diferenciado
dado aos bens industriais e aos
serviços em relação aos produtos
agrícolas. No primeiro caso, em
que os maiores exportadores eram
os países desenvolvidos, a liberalização do comércio avançou substancialmente. No caso da agricultura, em que predominam os interesses dos países em desenvolvimento, praticamente não foram
alteradas as medidas protecionistas existentes, praticadas principalmente pelos Estados Unidos e
pela União Européia.
O debate sobre a questão da liberalização do comércio de produtos agrícolas tem absorvido grande parte da atenção da opinião
pública tanto no Brasil como em
um grande número de outros países em desenvolvimento. No entanto essa questão, embora extremamente importante, não deve
ofuscar aspectos igualmente fundamentais para o futuro desses
países, que até agora têm permanecido um pouco à margem do debate. Esse é o caso, por exemplo, da
revisão de alguns pontos do Acordo sobre Medidas de Investimento
Relacionadas ao Comércio
(Trims) e do Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias,
que se revelaram prejudiciais aos
interesses dos países em desenvolvimento.
No Acordo sobre Medidas, os
países signatários estão proibidos
de executar qualquer política pública que exija do investidor externo o cumprimento de metas de exportação ou a utilização de componentes de origem local. Essa
proibição impede que o Brasil conte com instrumentos relevantes no
processo de superação de sua vulnerabilidade externa, especificamente no que se refere à possibilidade de direcionamento do processo de substituição de importações para setores específicos, quer
por sua tendência comercial deficitária, quer pela sua importância
em termos de incorporação de
progresso técnico-científico ao
nosso parque industrial.
Diferentemente do que afirma o
pensamento dominante na OMC,
não são as políticas voltadas para
o desenvolvimento, mas, sim, o poder das grandes corporações o que
hoje constitui a maior ameaça à livre concorrência. Um exemplo
disso foi o desmonte, no marco do
processo de privatização, do incipiente, mas promissor, parque industrial de telecomunicações do
país. Na ausência de políticas públicas coordenadas de investimento e desenvolvimento industrial, as
empresas que aqui vieram se instalar para a produção de equipamentos e telefones celulares decidiram comprar seus componentes
em filiais no exterior -independentemente do fato de que o Brasil
já possuía tecnologia e capacidade
instalada no setor. Desnecessário
dizer que um dos déficits comerciais mais significativos que experimentamos nos últimos anos se
concentrou justamente no setor de
material elétrico e de comunicações, apesar do espetacular aumento das exportações de telefones celulares desde a desvalorização do real, em janeiro de 1999.
O Acordo sobre Subsídios, por
sua vez, representou a eliminação
dos subsídios específicos a diversos
setores industriais, especialmente
os vinculados a exportações
-com algumas exceções que permitem algum espaço de manobra
para políticas públicas regionais e
de ciência e tecnologia. Nesse sentido, a leitura combinada dos
acordos sobre agricultura e subsídios revela a natureza invertida
do "tratamento especial e diferenciado" consolidado nas atuais regras da OMC: aos países desenvolvidos é permitida a realização de
políticas de apoio ao setor em que
são menos competitivos -no caso, a agricultura-, restando aos
países da periferia choramingar
por brechas nos acordos que os
permitam desenhar políticas de
desenvolvimento para os setores
industriais.
O processo de revisão desses dois
acordos é tão importante quanto
qualquer negociação relacionada
à abertura de mercados agrícolas.
O Brasil vem liderando, em Genebra, a apresentação de propostas
para a superação dos óbices na
OMC para a consecução de uma
nova política industrial que possa
utilizar instrumentos hoje proibidos por esses acordos. Estamos
propondo uma flexibilização de
seus termos, que permita aos países em desenvolvimento eliminar
discriminações relativas às políticas de crédito, utilizar políticas de
investimento a fim de atingir objetivos específicos de desenvolvimento tecnológico, promover condições equitativas de concorrência
no mercado doméstico e assegurar, mediante o aumento das exportações, condições sustentáveis
para fazer face a situações de déficits estruturais no balanço de pagamentos.
A revisão desses acordos pode facilitar em muito o processo de retomada do desenvolvimento no
país, dando ao Estado brasileiro
maior flexibilidade para que execute as políticas públicas necessárias à redução da nossa vulnerabilidade externa e ao fortalecimento
da economia nacional.
Aloizio Mercadante, 48, é economista e
professor licenciado da PUC e da Unicamp, senador por São Paulo e secretário de Relações Internacionais do Partido
dos Trabalhadores.
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