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ARTIGO / ECONOMIA AMERICANA
Direita republicana abandona realidade econômica
Kevin Lamarque - 11.fev.03/Reuters
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Greenspan durante depoimento à comissão de assuntos bancários do Senado norte-americano, em que fez críticas veladas a Bush |
GERARD BAKER
DO "FINANCIAL TIMES"
Uma piadinha muito típica
de Washington anda fazendo as rondas da cidade imperial
nos últimos dias. Ela diz que
George W. Bush pode não ter tomado as decisões sobre muitos
detalhes da reconstrução do Iraque no pós-guerra, mas que uma
coisa já está certa: o primeiro diretor do novo banco central iraquiano será Alan Greenspan.
Consta que Bush estaria insatisfeito com o presidente do Federal
Reserve (banco central norte-americano). A causa de sua insatisfação não seria a maneira como
Greenspan vem tratando da política monetária, nem mesmo alguma discordância quanto a determinação das taxas de juros. Seriam observações que Greenspan
fez, no mês passado, diante da comissão de assuntos bancários do
Senado.
Em seu último depoimento semestral perante o Congresso,
quando falava das perspectivas
econômicas do país, o presidente
do Fed foi solicitado a comentar
as perspectivas fiscais. Era um assunto politicamente carregado, é
claro, porque era tratado algumas
semanas depois de o presidente
ter submetido ao Congresso seu
Orçamento, com suas propostas
de mais cortes nos impostos.
Se Greenspan tivesse dito algo
como ""a meu ver, o presidente endoidou por completo. Suas propostas orçamentárias não vão
ajudar a economia em nada no
curto prazo, e, a longo prazo, vão
apenas nos conduzir ao caos fiscal", então o problema ficaria claramente compreensível.
Mas não foi isso o que ele fez.
Greenspan elogiou o plano do
presidente de eliminar os impostos sobre os dividendos das empresas, mas expressou algumas
reservas cautelosas quanto aos
riscos de longo prazo de um déficit orçamentário crescente, que já
passou dos 3% do PIB.
""Deveríamos buscar uma flexibilidade maior, mas tomar muito
cuidado para não permitir que os
déficits escapem do nosso controle", disse ele. E por que é desejável
evitar um déficit maciço? ""Contrariamente ao que já foi dito por
alguns, um déficit muito grande
afeta, sim, os juros de longo prazo", disse ele. "Ele exerce um impacto negativo sobre a economia."
"Traição!"
Houve um silêncio breve enquanto suas observações eram
absorvidas pelos presentes, e então republicanos irados começaram a se manifestar. Uma vergonha! Traição! Lesa-majestade! (na
realidade, essa última reclamação
não chegou a ser dita em voz alta.
Hoje em dia, expressões de origem francesa estão proibidas nas
discussões políticas americanas).
Como pôde Alan Greenspan proferir tais calúnias?
Em poucos dias já surgiam relatos dando conta de que certos
funcionários da Casa Branca queriam ver sangue. Greenspan tinha
jogado para o alto qualquer chance que poderia ter tido de ser novamente indicado para a presidência do Fed, depois que seu
quarto mandato à frente do banco
chegar ao fim, em 2004. Os nomes
de outros candidatos ao cargo foram vazados para certos jornais.
Algumas semanas já se passaram desde o furor inicial, e fico feliz em poder relatar que as versões
segundo as quais Greenspan corria perigo iminente de ser executado foram consideravelmente
exageradas.
É verdade que os agentes da Casa Branca, com os olhos permanentemente fixos nas exigências
cambiantes das pesquisas de opinião e da base republicana, ficaram furiosos. Enquanto isso, os
adultos, que compreendem coisas
difíceis como o que fazem os mercados e os bancos centrais, tentam acalmar a situação à custa de
petróleo a US$ 35 o barril.
Tudo ainda indica que, se
Greenspan quiser mais um mandato à frente do Fed, ele o terá.
Quando seu mandato atual terminar, em junho de 2004, ele terá 76
anos de idade. Ninguém espera
dele que presida o banco por mais
quatro anos, mas há interesse em
garantir que ele continue na presidência até o final de seu mandato
como diretor do Fed, em 2006.
Sempre houve muito a ser dito a
favor de lhe dar um mandato final
mais curto, de modo a dessincronizar a renomeação do presidente
do Fed do ciclo eleitoral, e, a meu
ver, essa ainda é a melhor opção
que temos.
Ao mesmo tempo, porém, há algumas lições preocupantes a serem tiradas do pequeno desentendimento envolvendo Greenspan. Para começo de conversa, é
sinal de até que ponto as discussões políticas em Washington
vêm se tornando amargas. Cada
palavra do presidente do banco
central é interpretada para a vantagem política de alguém. A culpa
disso é em parte do próprio
Greenspan.
Dois anos atrás, dias depois de
Bush ter proposto sua primeira
redução de impostos -no valor
de US$ 1,7 bilhão e resultando em
déficit orçamentário-, o presidente do Fed fez algumas observações que, para dizê-lo em tom
muito moderado, não resistiram
bem à prova do tempo. Ele lançou
um aviso sobre o grave perigo do
sempre crescente superávit orçamentário e pediu cortes grandes
nos impostos.
Agora que esses superávits viraram déficits, em pouquíssimo
tempo, o presidente do Fed teve
razão em oferecer um corretivo.
Mas o mais importante em tudo
isso é perceber até que ponto a direita republicana se desligou da
realidade econômica. Hoje em dia
ela vê os conceitos mais evidentes
e mais amplamente aceitos da
economia fiscal como equivalentes à traição.
Nos últimos dois anos, ela vem
se engajando num desses exercícios psicológicos em que, se você
repete uma afirmação claramente
falsa por tempo suficiente, acaba
começando a acreditar nela. Os
déficits não têm problema. Eles
não têm problema porque, se reduzirmos os impostos, vamos aumentar a atividade econômica em
grau suficiente para elevar a receita tributária.
Algum dia alguém terá que enfrentar as consequências dessa
maluquice, e o custo a ser pago
pelo contribuinte e pela economia
dos EUA será muito alto -tão alto que, comparado a ele, o desafio
de dirigir o banco central do Iraque será café pequeno.
Tradução de Clara Allain
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