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RECEITA ORTODOXA
Para professor, transferência de ganho dos salários para rentistas é a maior desde o governo Figueiredo
Juro tira mais renda do trabalho, diz estudo
SANDRA BALBI
ENVIADA ESPECIAL AO RIO
Quem recebe juros -bancos,
empresas, investidores e algumas
instâncias de governo- ganhou
25,8% a mais do que os assalariados no primeiro ano do governo
Luiz Inácio Lula da Silva.
"O trabalhador sempre perdeu
para o rentista na história do Brasil. Mas no governo Lula ele está
perdendo o dobro do que na média dos últimos 20 anos", diz o
economista Reinaldo Gonçalves,
professor da UFRJ (Universidade
Federal do Rio de Janeiro).
Gonçalves é autor de um estudo
que analisa a relação entre juros e
salários de 1983 a 2003. Segundo
ele, a diferença entre os ganhos financeiros e a variação dos salários
configura transferência de renda
dos trabalhadores aos rentistas.
"A transferência de renda no
governo Lula só é menor do que a
que ocorreu no governo Figueiredo [1979-1985]", afirma. Naquele
período, o ganho anual dos rentistas foi 29,4% superior ao dos
assalariados.
Na média dos últimos 20 anos,
segundo o estudo, a diferença entre o ganho anual dos rentistas e o
dos assalariados foi de 12,5%.
Para chegar a esses valores, o
economista mediu a relação juro/salário ao dividir a taxa mensal
de juro nominal (a taxa básica da
economia efetivamente praticada
no mercado) pela variação mensal da renda média nominal dos
trabalhadores. "Essa é uma relação-chave, pois se trata dos dois
preços mais importantes da economia", afirma.
Segundo Gonçalves, a relação
juro/salário dá uma visão da distribuição da renda na sociedade e
tem impacto na acumulação de
capital e no crescimento econômico. "Não por acaso, nos momentos em que a relação juro/salário foi mais baixa, o país cresceu
- mesmo com inflação", diz.
Ele cita o exemplo do período
que vai de 1992 a 1995, em que a
relação juro/salário declinou. "Foi
um período de hiperinflação, juros altíssimos, mas a economia
crescia", afirma. Em 1994, por
exemplo, a inflação bateu em
2.407% ao ano, o juro mensal girava em torno dos 50%, mas a
economia cresceu 5,9%.
Esse foi, entretanto, um período
de indexação dos salários, que
permitiu, segundo ele, manter o
poder de compra do trabalhador,
gerando consumo e crescimento.
"A inconsistência do modelo
econômico do governo Lula é que
ele mantém uma política fiscal altamente restritiva e uma política
salarial restritiva, e aí não adianta
baixar as taxas de juros. Sem recuperação salarial, o Brasil vai continuar sem investimento e sem
crescimento."
Contraponto
Economistas que analisaram o
estudo de Gonçalves, a pedido da
Folha, questionam sua metodologia de análise e suas conclusões.
"O estudo parte de um equívoco
-a comparação entre juro e salário- e leva a conclusões equivocadas -de que houve transferência de renda dos assalariados para
os rentistas", diz o economista
Joaquim Elói Cirne de Toledo.
Segundo Toledo, numa economia hipotética na qual a taxa de
juro e a inflação são zero e o salário está em queda, a relação juro/
salário sobe. "Isso ocorre porque
o juro fica alto se comparado ao
salário declinante. Mas quem é
credor [ou rentista] nessa economia ganha zero de renda."
Assim, na sua opinião, é falsa a
hipótese da transferência de renda dos trabalhadores para os rentistas. Segundo Toledo, Gonçalves
mistura poder de compra com juro, ao juntar dois preços da economia que não há por que serem
unidos. "Juros e salários mostram
duas coisas diferentes."
Para Toledo, o trabalho do professor Gonçalves permite concluir
apenas uma coisa: "Que o juro
real é alto no Brasil, coisa que sabemos há muito tempo". Juro real
é a taxa nominal de juro comparada aos demais preços da economia [ou seja, descontada a inflação]. "Gonçalves deflacionou o
juro pelo salário, e não pelo IPC."
Alguns economistas consultados -e que preferem o anonimato- consideraram o estudo de
Gonçalves "tautológico" (verdade
trivial, tão evidente que não é necessário ser enunciada). Para esses analistas, historicamente os
salários perdem para os juros, para o câmbio e para a inflação.
Eles lembram que uma forma
eficiente de demonstrar a perda
dos salários e o ganho dos rentistas é analisar as contas nacionais.
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