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PERDAS E DANOS
Ajuste fiscal de FHC seria mantido em 2003, diz Mantega; metas de inflação seriam "aperfeiçoadas"
Para economista de Lula, BC será autônomo
VINICIUS TORRES FREIRE
EDITOR DE DINHEIRO
O PT manteria o superávit fiscal
de pouco mais de 3% do PIB, tal
como o estipulado pelo Orçamento do ano que vem, que está sendo
elaborado pelo governo de Fernando Henrique Cardoso. Em algum momento de um hipotético
governo do PT, o Banco Central
teria autonomia maior do que
tem hoje. O PT manteria um sistema de metas para controlar a inflação, algo modificado, embora
respeitando a meta fixada pelo
governo FHC para o ano que vem.
É o que diz um dos principais assessores econômicos de Luiz Inácio Lula da Silva, o ítalo-brasileiro
(ou brasileiro e italiano) Guido
Mantega, 53, professor de economia da FGV, ex-diretor de Orçamento da prefeitura de São Paulo
no governo da ex-petista Luíza
Erundina (1989-1992). O economista nasceu na Itália e veio ainda
pequeno para o Brasil.
Mas Mantega não sabe -ou
não diz- se as metas de superávit
fiscal continuariam do mesmo tamanho em 2004, embora ressalte
que o partido reza pela cartilha da
responsabilidade fiscal. O BC seria autônomo, mas os diretores
seriam demissíveis pelo presidente caso não cumprissem as metas,
na opinião de Mantega, pois o PT
ainda não fechou questão sobre o
assunto. As metas de inflação
também ainda estão na mesa de
debates dos economistas do partido, que devem fechar o programa
econômico até o final do mês. Até
lá, diz o economista, estão desautorizadas todas as versões sobre o
destino do sistema de metas de inflação num governo do PT.
Leia a seguir os trechos da entrevista de Mantega, que não se diz
candidato a nada num eventual
governo Lula. Nada a não ser uma
"embaixada em Roma", diz brincando.
Folha - O próximo governo tem
alguns problemas imediatos e urgentes para começar a resolver: dívida pública, metas de inflação e
contas externas. Começando pela
dívida pública. O PT vai manter o
superávit fiscal primário em 3,5%
do PIB em 2003? E em 2004?
Guido Mantega - Vai manter os
3,5% com certeza. A orientação
do PT sempre foi a responsabilidade fiscal. As contas têm que estar equilibradas, o Orçamento
bem administrado.
Folha - Em 3,5% ou aumenta?
Mantega - Bom, em princípio
vamos manter, mesmo porque
você vai iniciar o governo, no próximo ano, com um Orçamento já
definido. Então, há pouca margem de manobra.
Folha - No segundo ano do governo continua a política de superávits altos? A dívida está alta demais. Não vamos precisar de uns
dois anos [de transição para uma
nova política econômica?".
Mantega - Desculpe, você está
sendo muito pessimista. Não
creio que você vá ter dois anos de
transição. Você tem muitas análises que dizem que o Brasil vai
crescer no ano que vem. Se a balança comercial continuar a melhorar, diminui a vulnerabilidade
externa. Os juros já podem cair, a
economia cresce um pouco mais,
há uma folga fiscal.
Folha - Pode ser, mas como a dívida é muito grande e vence em prazo muito curto, volto à questão:
não é preciso um superávit primário de 3%, 4% do PIB?
Mantega - Olha, não dá para fazer previsão de segundo ano de
jeito nenhum. Acho que tem de
haver responsabilidade fiscal,
mas acredito que a economia brasileira tem uma capacidade de recuperação muito rápida e na direção certa. A balança comercial começa a melhorar. Os Estados Unidos começam a ter uma recuperação, que pode se consolidar. Então há uma expansão mundial,
com efeitos no comércio. Assim,
acredito que vamos para um superávit da balança comercial de
US$ 7 bilhões, US$ 8 bilhões já em
2003, de US$ 10 bilhões em 2004.
Tende a haver uma queda substancial do risco-país. Se você
olhar a projeção da Lei de Diretrizes Orçamentárias (a última do
governo FHC), a taxa de juros nominais para o ano que vem é de
12%, 13%.
Folha - Mas com a volta do crescimento da economia, de uns 4%, a
expectativa é de redução da balança comercial, certo? Não seria bom
ter mais superávit primário para
evitar que o crescimento do PIB não
acabe por reduzir as exportações?
Mantega - É, você não pode crescer de qualquer maneira. Do jeito
que a coisa está, há pouco espaço
para crescer. Mas com uma política mais agressiva na área de comércio exterior, que nós estamos
querendo fazer, pode-se conseguir mais espaço.
Folha - Mas política de comércio
exterior leva tempo para dar resultado e consumo e gastos públicos
excessivos tendem a reduzir o excedente exportável. Não é prudente até aumentar o superávit fiscal,
tanto para dar uma ajuda no saldo
comercial como para aumentar a
confiança?
Mantega - Você está tomado por
um grande pessimismo. Mesmo
com a economia internacional
numa situação ruim -ainda vai
crescer pouco-, o Brasil vai conseguir superávit comercial, de uns
R$ 4 bilhões, mais do que no ano
passado. Até esse dólar mais caro,
resultado das trapalhadas do Banco Central, da sucessão e tudo o
mais, vai ajudar também a melhorar a balança comercial. Então,
não dá para fazer um cenário pessimista como o seu.
Folha - Temos metas de inflação
definidas até o ano que vem. Vocês
vão mudar o sistema de metas? Vão
colocar as metas numa espécie de
banda, vão estipular que a meta
tem de ser atingida num período
mais longo, dois anos, digamos, ou
vão usar o núcleo da inflação?
Mantega - O sistema de metas
vai ser mantido, e aperfeiçoado.
Folha - Em que direção?
Mantega - Primeiro, é preciso
dizer que não é só com o sistema
de metas que se controla a inflação. Com as metas se atacam apenas os efeitos, não as causas da inflação. Não vai na raiz da inflação.
Por exemplo, a inflação causada
pela alta do dólar, um importante
foco inflacionário, pode ser contida com uma melhoria das contas
externas. Depois, você tem de trabalhar com metas mais realistas.
Folha - E o que é uma meta realista para 2004?
Mantega - Está muito longe para
fazer previsão.
Folha - Mas vocês vão ter de definir a meta para 2004 no ano que
vem, se for mantido o sistema...
Mantega - Vou dar a minha opinião pessoal, porque essa é uma
questão do programa que ainda
vai ser definida. Ninguém está
projetando metas de inflação para
o futuro. Nas condições atuais da
economia brasileira, há muito
mais instabilidade do que numa
economia desenvolvida. Isso é
óbvio. Você não consegue...
Folha - Ter 2% de inflação, obviamente, nem 3% ou 4%...
Mantega - Não é realista. Por
exemplo, um terço da inflação é
preço administrado. Então, querer alcançar inflação de país avançado hoje é impossível. Para o ano
que vem, vai ser difícil.
Folha - Independência do Banco
Central. Vocês são contra?
Mantega - Neste momento.
Folha - E depois?
Mantega - Isso ainda não foi discutido dentro do PT. O que é ponto pacífico é que se é contra a independência do BC no final deste
governo. Isso constituiria uma espécie de golpe do atual governo
para perpetuar sua política monetária. Ele poderia ser mais independente do que é, aliás, sem essas intervenções políticas feitas
nos últimos dias. O BC teria mais
autonomia, não seria submetido
ao Ministério da Fazenda, por
exemplo. Deveria ter autonomia
operacional. O governo central
estabelece os objetivos a serem alcançados pelo BC, que tem a autonomia para alcançá-los.
Folha - Os diretores seriam demissíveis?
Mantega - Sim. Tem de haver
uma legislação que estabeleça em
que condições o presidente poderia substituir o presidente do Banco Central. Eles seriam demissíveis caso não estivessem cumprindo as metas.
Folha - Qual tipo de metas?
Mantega - Os objetivos da carta
do Federal Reserve (BC dos Estados Unidos), por exemplo, dizem
que o BC tem de manter a maior
taxa de expansão possível da economia -manter a inflação sob
controle, viabilizar o emprego e o
crescimento da economia. Mas,
como meta numérica, haveria só a
de inflação.
Folha - Mas o PT aceita a autonomia do BC?
Mantega - Ainda é uma discussão que temos de fazer. É uma
tendência mundial a independência dos BCs, embora cada um com
sua característica. O Bundesbank
(BC alemão) é diferente do Fed,
do Banco da Inglaterra.
Folha - Muito se diz que o PT ainda
não esclareceu se vai tentar alongar
a dívida, melhorar o perfil da dívida, por mecanismos de mercado ou
se vai tomar alguma atitude extramercado...
Mantega - Por mecanismos de
mercado, definitivamente.
Folha - É a opinião do partido?
Mantega - É a opinião do partido, do (Aloizio) Mercadante, de
todo mundo. O que vai estar escrito nos programas é o seguinte:
cumprimento de contratos. Mas é
obrigação do governo tentar fazer
um alongamento da sua dívida.
Por qual mecanismo? Vence o título e você oferece vantagens para
os aplicadores de mais longo prazo. Mas o alongamento não se dá
do dia para a noite e por vontade
do governo, não. Depende de
criação de riqueza, de capacidade
de pagamento e atraindo investimento externo. Tudo isso faz com
que o investidor fique seguro para
fazer uma aplicação de dois, três,
quatro anos.
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