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ARTIGO
Abismo moral de Wall Street não acelera reformas estruturais
GERARD BAKER
DO "FINANCIAL TIMES'
O goldman Sachs é o banco
de investimentos que talvez
tenha as antenas políticas mais
sensíveis de Wall Street. Assim,
quando seu principal executivo
diz que as corporações dos EUA
estão "em uma posição de baixa
reputação jamais vista por mim",
pode-se ter certeza de que as companhias norte-americanas estão
se preparando para uma temporada de crise.
No entanto, a despeito do alerta
feito na última semana pelo executivo Henry "Hank" Paulson,
talvez a coisa mais estranha sobre
a onda de escândalos financeiros,
contábeis e pessoais que se abateu
sobre Wall Street nos últimos seis
meses é o silêncio político.
Os "barões ladrões" e os colossos financeiros do final do século
19 causaram a ascensão de políticos populistas, como William
Jennings Bryan, e a aprovação da
Lei Sherman de combate aos trustes. A Era Dourada e o desbotamento generalizado em que se encerrou nos legaram as reformas
financeiras dos anos 30, entre as
quais o estabelecimento da Securities and Exchange Commission
(SEC, agência federal que regulamenta o mercado acionário).
A atual série de escândalos começou com o colapso da empresa
energética Enron, no ano passado. Depois veio o processo judicial contra a Arthur Andersen, investigações sobre outras empresas por irregularidades contábeis,
alegações de conexões impróprias
entre bancos de investimentos e
as empresas que ajudam a financiar, um crescendo que culminou,
na última semana, com o processo criminal aberto contra Dennis
Kozlowski, ex-presidente da
Tyco, por suposta sonegação de
impostos.
A situação estimulou certa dose
de atividade em Washington.
Propostas de reforma vêm sendo
discutidas, lentamente, no labirinto de comitês do Congresso.
Mas, por enquanto, parece haver
pouca perspectiva real de que
projetos sérios de reforma sejam
aprovados. As únicas leis que a
Câmara votou caminham cuidadosamente para não ferir os interesses das empresas no campo da
contabilidade e das pensões.
O poder das contribuições para
campanhas políticas é evidentemente parte da explicação para
essa falta de ação. Os lobbies agiram para esmagar propostas sérias de reforma das regras contábeis, da regulamentação dos bancos de investimento e da governança corporativa em geral.
Cadê a indignação?
Mas a política do dinheiro por si
não basta para explicar o silêncio
dos sonolentos cães de guarda de
Washington. Se a questão ganhar
ímpeto, talvez até mesmo os congressistas mais famintos por verbas não possam ignorá-la. O ponto, como disse, em outro contexto, Bob Dole, o candidato republicano à Presidência em 1996, é:
"Onde está a indignação?".
As pesquisas de opinião listam
os delitos das grandes empresas
em uma posição baixa entre as
preocupações do público. Nenhum dos potenciais candidatos à
Presidência em 2004 fez desse
problema uma plataforma importante. A questão mal surgiu
nas campanhas que já estão em
curso para a eleição legislativa de
novembro. Isso é curioso, dado o
estrago que a crise vem causando
ao patrimônio norte-americano.
O medo de que surjam novas
más notícias causou uma queda
nos mercados financeiros. A despeito de mais notícias positivas
sobre a economia, o índice industrial Dow Jones sofreu nova queda na sexta-feira, chegando ao seu
ponto mais baixo desde setembro
do ano passado.
A guerra evidentemente é o motivo principal para a ausência de
indignação popular. O imperativo de união nacional parece ter
atenuado o apetite por ações radicais, e os eleitores talvez se contentem com processos conduzidos sob as leis existentes, em lugar
de exigirem uma mudança radical na estrutura jurídica.
Um segundo fator que explica o
relativo silêncio é o estado da economia nacional. Se bem que o vigor de uma possível recuperação
sustentada ainda não esteja claro,
não houve uma depressão ou
uma recessão como a que afligiu o
país no começo dos anos 90.
Ainda que a debilidade do mercado de ações venha prejudicando o patrimônio dos norte-americanos, a perda foi compensada,
com folga, pela alta no valor das
residências. E, embora o desemprego tenha subido dos 3,9% da
força de trabalho dois anos atrás
para 5,8% agora, a renda média
continua a crescer.
Pode haver outro fator. Escândalos se tornaram comuns na vida pública dos EUA durante os últimos dez anos. Os oito anos de
atribulada Presidência de Bill
Clinton e a tentativa de impeachment não mobilizaram muito os
eleitores, eles pareciam bastante
entediados, apesar da obsessão da
imprensa com os potenciais delitos pessoais ou financeiros dos líderes do país. Talvez também tenha caído a expectativa do público quanto ao comportamento dos
líderes nacionais.
Evidentemente, mesmo em dias
de guerra, prosperidade e cinismo, como os em que vivemos,
continua a haver limites para o
que o público se dispõe a tolerar.
Se Paulson está certo, os EUA podem estar perto de atingi-los.
Tradução de Paulo Migliacci
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