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Europeus quebram rigidez fiscal
MARIA LUIZA ABBOTT
FREE-LANCE PARA A FOLHA, EM LONDRES
Depois de anunciar um novo
acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional), o Brasil se
prepara para cumprir mais um
período de regras inflexíveis na
área fiscal, com meta de superávit
primário. Na Europa, predomina
a percepção de que é tempo de
quebrar a rigidez de certos limites, como o teto máximo de 3% do
PIB para o déficit público.
A conclusão da maioria é que
regras rigorosas como essa estão
prejudicando a recuperação das
duas maiores economias da zona
do euro, a França e a Alemanha.
Criadas pelo Tratado de Maastricht, em 1991, por iniciativa da
própria Alemanha, as regras visavam impor limites para acabar
com o risco de falta de prudência
e má administração macroeconômica dos países que iriam adotar
a moeda única. Doze anos depois,
o euro alcançou a estabilidade esperada e França e Alemanha estão
em dificuldades para crescer.
Os governos dos dois países estão adotando políticas de estímulo ao crescimento e caminham
para desrespeitar uma das regras
mais rigorosas: pelo terceiro ano
consecutivo, vão estourar o limite
dos 3% do PIB para o déficit. Por
isso, estão em uma disputa com a
Comissão Européia (o braço executivo da União Européia) por
uma interpretação mais flexível
das regras para evitar punições.
"As duas economias estão em
dificuldades e é sensato do ponto
de vista econômico que os governos injetem algum dinheiro na
economia para fazer um tipo de
administração keynesiana, até
uma certa medida", diz o professor Peter Howlett, da London
School of Economics. "E eles estão se dando conta de que as regras que eles mesmos se impuseram talvez sejam muito rigorosas", acrescenta.
A idéia básica da teoria keynesiana -do economista britânico
John Maynard Keynes-, desenvolvida para combater a depressão dos anos 1930, é que o Estado
tem um papel no manejo da economia, estimulando a demanda
em momentos de retração.
A discussão na zona do euro já é
coisa do passado no Reino Unido.
Desde que assumiu, em 1997, o
ministro do Tesouro, Gordon
Brown, adota política mais flexível. Brown instituiu uma regra de
ouro para as contas públicas, em
que o governo faz dívida em períodos de recessão e paga as contas em períodos de crescimento.
"Brown adotou essa regra em
uma situação em que as finanças
do país estavam equilibradas e os
investidores acreditam que ele
realmente vai pagar a dívida", diz
o professor Gavin Cameron, da
Universidade de Oxford.
A prudência e a boa administração macroeconômica permanecem. Mas a idéia que começa a
crescer é a flexibilização para que
o Estado possa fazer políticas anticíclicas -estimular a demanda
quando em recessão e equilibrar
as contas quando há expansão.
Brown também adotou o sistema de metas de inflação, com autonomia administrativa do Banco
da Inglaterra. As metas deram flexibilidade à política monetária.
Cameron defende o sistema de
metas de inflação e a "regra de ouro" de Brown para os países emergentes. Ele observa que muitas
dessas economias foram duramente atingidas, exatamente por
seguirem regras muito rígidas,
como a paridade cambial na Argentina. Mas, para a administração dos ciclos de altos e baixos da
economia, Cameron argumenta
que muita coisa ainda depende da
"reputação" dos responsáveis pelas políticas econômicas.
"Os países emergentes deveriam ter a oportunidade de tentar
equilibrar seus orçamentos em
relação aos ciclos econômicos,
mas muitos podem ter esse problema de má reputação e os mercados financeiros podem achar
difícil de acreditar", diz.
A flexibilidade é parte de uma
busca de alternativas a políticas
que levam à estabilidade, mas não
ao crescimento, especialmente
em países de renda média ou pobres, segundo Ricardo Gottschalk, da Universidade de Sussex.
Ele diz que a procura de alternativas começou no início deste século, a partir da observação do que
aconteceu com os países latino-americanos, que fizeram reformas, mas não estão crescendo.
"No caso do Brasil, espera-se
uma recuperação, agora que a estabilidade foi alcançada, mas pode não ser suficiente e criar problemas políticos", diz Gottschalk.
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