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LUÍS NASSIF
O centenário de Ary
Faz alguns anos, em uma
viagem profissional, uma
colega jornalista me contou
por que os pais, italianos, resolveram migrar para o Brasil. Lá
na Itália ouviram "Aquarela
do Brasil", e o pai achou tão
linda que julgou que um país
que produzia uma música daquela deveria ser ótimo para
viver. E foi apenas uma composição entre centenas de clássicos compostos por Ary Barroso.
A comemoração do seu centenário de nascimento, na semana passada, deveria ser feriado nacional. Ary não foi responsável apenas pela internacionalização da música popular. Mineiro de Ubá, Ary Barroso se tornaria um dos cariocas referenciais, o primeiro
compositor brasileiro a ter reputação internacional: foi um
dos pais da música brasileira
moderna.
Nesta semana, no "Metrópolis", da TV Cultura, Dori
Caymmi dizia que a música
brasileira tinha em Villa-Lobos
seu anjo maior e, abaixo dele,
Noel Rosa, Ary Barroso e Dorival Caymmi. Depois, em um
segundo plano honroso, Pixinguinha e Braguinha. Não consegui pegar sua fala por inteiro,
por isso não sei onde colocou
Tom Jobim, se ao lado de Villa
ou não.
De minha parte, incluiria
também Pixinguinha no primeiro time, assim como Lamartine Babo. E Wilson Batista e Ismael em um lugar de
honra, ao lado de Cartola e
tantos outros. Mas, seja qual
for a formação, Ary Barroso estará no topo.
Ary morreu nos anos 60 consagrado como o maior compositor brasileiro, em pleno processo de ascensão de seu legítimo sucessor, Tom Jobim. Seguiu-se nos anos 70 um período de depreciação de seu trabalho, muito em razão dos
"sambas exaltações", que a ignorância maniqueísta da época associava ao clima de "pra
frente, Brasil". Dizia-se que
"não tinha estilo", pois compusera sambas sobre a Bahia à
moda de Caymmi.
Quando Carmen Miranda
foi para os Estados Unidos,
aliás, levou na bagagem um
Ary já consagrado e um Caymmi em início de carreira. Mais
tarde, ambos chegaram a gravar um LP, interpretando canções um do outro. Ouso dizer
que Ary era um compositor excepcional, mas seu piano, nesse
LP, não chegava a impressionar.
O início de sua carreira foi no
teatro de revista, onde conheceu um de seus grandes parceiros, Luiz Peixoto, dos maiores
letristas da música brasileira,
com quem comporia uma das
mais belas músicas da história
-"Na Batucada da Vida"
("no dia em que apareci no
mundo/juntou-se uma porção
de vagabundos").
Depois, no início dos anos 30,
envolveu-se com política e,
após a vitória da Aliança Renovadora, teve problemas por
suas ligações com um tio, político do PR mineiro. Acabou
passando uma temporada refugiado em Poços de Caldas,
tocando na boate Ao Ponto, de
Nico Duarte. Lá, segundo o testemunho de seu amigo Walther Moreira Salles, teria
aprendido muito com um certo
maestro Lafayette, clarinetista
e dono de orquestra.
Ary fez parte da geração que,
na virada dos anos 20 para os
anos 30, daria a moderna feição urbana ao samba. Há pesquisador sério que sustenta até
que as primeiras gravações do
novo tipo de samba, modernizado, substituto do maxixe, foram de Ary, e não de Noel.
O cadinho que gerou a moderna música brasileira, aquela que é plasmada na virada
dos anos 20 para os 30 e que se
sucedeu à fase regionalista dos
"Turunas", tem a participação
decisiva de Ary, mas também
de Noel, Lamartine e Braguinha, Pixinguinha e Ismael, entre outros.
Na interpretação, a modernização se deu por meio de duas
linhas distintas -a do lírico
modernizado de Chico Alves
(em substituição ao estilo rascante-dramático de Vicente
Celestino, Augusto Calheiros,
Gastão Formenti e do paulistano Paraguaçu entre outros) e o
estilo sincopado de Mário Reis
e Luiz Barbosa.
Mineiro de Ubá, Ary Barroso
se tornaria um dos cariocas referenciais. Minha infância foi
passada ao som de "Trolinho",
"Rancho Fundo", de "Aquarela do Brasil", "Na Baixa do Sapateiro". Mas a música que me
balança, que me dá uma saudade imensa de tempos que
não conheci, é "Rio de Janeiro", que quase deu a Ary um
Oscar nos anos 40.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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