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ECONOMIA INTERNACIONAL
Jane D'Arista afirma que corte nos impostos faz parte de estratégia de Bush para reduzir governo
Hegemonia do dólar ficou cara, diz analista
GIULIANO GUANDALINI
DA REDAÇÃO
A hegemonia do dólar tornou-se cara demais para os EUA e para
o resto do planeta. Ela restringe o
desenvolvimento dos países pobres e também o dos EUA.
A análise é da economista norte-americana Jane D'Arista, diretora de programas do Financial
Markets Center, instituto que se
dedica à análise dos mercados internacionais. D'Arista trabalhou
vários anos no Congresso dos
EUA, ocupando cargos nas comissões de Orçamento e de Comércio, e também já deu aulas na
Boston University School of Law.
De acordo com a economista, os
EUA só conseguem financiar os
seus déficits gêmeos (nas contas
interna e externa) graças aos investidores estrangeiros, sobretudo asiáticos, que compram títulos
norte-americanos. Isso propiciou
a expansão de crédito nos EUA,
mas, para D'Arista, o endividamento americano e dos estrangeiros já está perto do limite.
Leia, abaixo, entrevista concedida à Folha, por e-mail.
Folha - Até que ponto os déficits
gêmeos dos EUA colocam em risco a
economia mundial?
Jane D'Arista - A questão é grave,
mas o termo "déficits gêmeos"
não define o problema adequadamente. O déficit em conta corrente criado pelo acúmulo de ativos
americanos por estrangeiros pode ser o resultado do endividamento tanto do setor privado como do público. Nos anos 90, a expansão do crédito doméstico foi
possível com a entrada de recursos nos EUA e fez com que o endividamento das famílias e das empresas norte-americanas atingisse
níveis sem precedentes. Mas o
boom produzido permitiu que o
Tesouro tivesse superávits, porque a arrecadação cresceu.
Atualmente, os déficits do setor
público e do privado estão crescendo, enquanto recursos públicos estrangeiros são investidos
em ativos americanos, devido a
intervenções cambiais, o que permite a expansão do crédito doméstico nos EUA. O aumento do
endividamento doméstico nos
EUA e o aumento no endividamento externo são insustentáveis.
Folha - Os mercados futuros trabalham com a expectativa de alta
nas taxas de juros, em parte por
causa da recuperação econômica e
em parte por causa da queda na demanda por títulos dos EUA. Até que
ponto é possível que ocorra um cenário negativo, em que o Federal
Reserve (banco central americano)
seria forçado a elevar as taxas de
juros agressivamente, como aconteceu nos anos 80?
D'Arista - O atual interesse em
ativos denominados em iene, em
decorrência da expectativa de
maior crescimento no Japão, é
uma mostra da mudança dos sentimentos nos mercados. É totalmente possível que caia o apetite
de investidores privados por ativos americanos. Se isso ocorrer,
se os EUA não forem capazes de
atrair financiamento para o seu
déficit em conta corrente e para o
gigantesco endividamento privado, que supera a poupança interna, as taxas de juros vão subir.
Se a economia ainda estiver fraca, o Fed tentará evitar a alta nos
juros ampliando a liquidez. Isso
deverá estimular os investidores
domésticos a comprar ativos que
estejam sendo vendidos pelos estrangeiros, mas, como no início
dos anos 90, isso também poderia
iniciar uma fuga de capital dos residentes norte-americanos.
Se a economia estiver mais robusta, o Fed poderia aumentar os
juros, com a expectativa de que isso diminuirá a saída de capitais.
De qualquer maneira, as condições são diferentes daquelas dos
anos 80, mais notadamente a inexistência de pressão inflacionária.
Folha - As emissões de títulos denominados em euro ultrapassaram
as em dólar. Estamos presenciando
a queda do dólar enquanto reserva
internacional de valor?
D'Arista - O fato de que as emissões em euro tenham suplantado
as em dólar reflete, em parte, o
número crescente de emissões de
companhias da zona do euro. A
moeda única européia assumiu
um importante papel ao criar um
vasto mercado para títulos europeus. Com certeza, o dólar perdeu
parte de seu brilho, enquanto o
euro se favoreceu com a integração dos mercados europeus e efetivamente assumiu uma posição
de duopólio [com o dólar].
Folha - O governo Bush aumentou os gastos públicos, especialmente em defesa, e reduziu impostos. Se a recuperação econômica se
materializar, poderia ocorrer uma
reversão da deterioração fiscal?
D'Arista - Muitos economistas e
analistas acreditam que a redução
de impostos aprovada pelo governo vai continuar produzindo déficits, a menos que haja um radical
corte nos gastos. Alguns vêem
nisso uma estratégia deliberada
para reduzir o governo, um objetivo declarado do governo e de
membros de seu partido [o Republicano] no Congresso. Eu concordo com essa visão.
Folha - Os EUA têm um enorme
déficit comercial, principalmente
com a China. Lobbies querem que o
governo imponha sanções comerciais. Ao mesmo tempo, autoridades acusam países asiáticos de
manterem suas moedas artificialmente desvalorizadas. É possível
que os EUA se tornem uma economia mais fechada por causa disso?
D'Arista - A política do governo é
de curto prazo e tem visão curta.
Impor barreiras comerciais e reclamar de intervenções cambiais
não resolverá o problema real
-um sistema monetário internacional ultrapassado, que atinge o
interesse de todos os países, inclusive o dos EUA.
A atual ênfase dos países em desenvolvimento no crescimento
puxado pelas exportações ocorre
pelo fato de suas moedas não serem usadas nas transações comerciais. Eles só podem participar dos mercados utilizando
moedas fortes. E, como não emitem essas moedas, sobretudo dólar, euro e iene, esses países precisam ganhá-las exportando mais
do que importam. Se tomam empréstimos, precisam exportar para ganhar moedas fortes e pagar
as dívidas. Esse é o elemento-chave do sistema neocolonial que governa a economia global. Ele cria
dependência, limita as oportunidades dos países em desenvolvimento de fazer negócios com outros países em desenvolvimento e
restringe a capacidade deles de estimular a demanda interna.
Mas isso também restringe a
economia dos EUA, cuja indústria perde em competitividade para a de países com salários mais
baixos e moedas mais fracas. A
hegemonia do dólar tornou-se
muito cara para os EUA.
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