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OPINIÃO ECONÔMICA
Haverá vida depois do petróleo?
RUBENS RICUPERO
Talvez fosse melhor inverter os termos e chamar o artigo de: "Haverá petróleo para o gênero de vida criado pela sociedade industrial?". O único tipo de
desenvolvimento econômico que
conhecemos é intensivo em energia. À medida que se desenvolvam, os habitantes dos países em
desenvolvimento terão de passar
do atual consumo insignificante
de energia -0,75 TEP (tonelada
de equivalente de petróleo por
pessoa/ano)- a algo entre 2 e 3
TEPs, o que não é exagerado, pois
os desenvolvidos têm índice de 4,5
TEP pessoa/ano. Isso significa
que, em 2050, quando a população dos mais pobres for de 9 bilhões de habitantes, o consumo
mundial de energia terá passado
de menos de 9 bilhões de TEP para a cifra colossal de 25 bilhões a
30 bilhões! Esse futuro, aliás, já
começou, pois é, em grande parte,
a pressão da China e, em grau
menor, a da Índia que estão alterando o perfil da demanda energética.
É óbvio que apenas parte desse
choque gigantesco de demanda
poderá ser atendida pelo petróleo.
O resto terá de vir de outras fontes, alternativas ou tradicionais.
É por isso que modalidades altamente poluidoras de energia, como o carvão, têm pela frente brilhante futuro assegurado. Nessa
equação, o papel da oferta de petróleo é garantir a produção de
120 milhões de barris para 2025,
aumento de 50% do nível corrente, apenas para satisfazer o crescimento da demanda específica por
óleo, que é de 1,9% ao ano. Ora,
até isso, que representa muito
menos que a demanda por energia em geral, é hoje objeto de controvérsia.
Na discussão sobre a capacidade de a oferta fazer face a esse desafio, há duas correntes principais. De um lado, estão os que
dão ênfase aos limites físicos de
produção do óleo, derivados da
geologia e da tecnologia disponível para extrair o petróleo a custos competitivos. Do outro, ficam
os que privilegiam fatores econômicos e geopolíticos. O que complica a tarefa do leigo desejoso de
ver claro na confusão das posições
contraditórias é ser a indústria
petrolífera uma das menos transparentes da economia. Nela, o recurso à contra-informação é moeda corrente. A falsificação de cifras de produção é habitual, do
mesmo modo que a do nível das
reservas, a que não escapam até
empresas prestigiosas, como a
Shell.
É em relação aos limites físicos e
geológicos da extração que se situa o debate sobre o esgotamento
das reservas e o atingimento do
chamado "pico de Hubbert", do
nome do geólogo americano King
Hubbert, o primeiro a calcular, 50
anos atrás, quando se atingiria,
na produção, o ponto mais alto a
partir do qual o declínio e a conseqüente explosão dos preços se
tornariam irreversíveis. Veja
bem, ninguém nega que, algum
dia, o petróleo vai acabar, já que é
recurso finito. O que se discute é
quando. Os pessimistas, minoritários na indústria, afirmam que
o pico será atingido entre 2007 e
2010, depois de amanhã, portanto. Os otimistas apostam entre
2020 e 2030. A previsão mais otimista é a do Departamento de
Energia dos EUA, que indica que
o pico seria alcançado entre 2030
e 2075.
Asseveram os céticos que, durante muito tempo, as grandes
companhias subestimaram as reservas em cerca de 30%, criando
uma reserva não-declarada que
lhes permitiu, ano após ano, reavaliar a capacidade, mascarando
o fato de que, há 20 anos, os volumes descobertos são inferiores aos
consumidos. É verdade que a evolução das reservas tem refletido,
sobretudo, a reavaliação permanente e sempre para mais de jazidas já conhecidas, mais que descobertas novas. Os pessimistas
calculam as reservas mundiais
em 780 bilhões de barris, ao passo
que as empresas e fontes convencionais afirmam que elas estariam em pouco mais de 1,1 trilhão, do qual 65,4% no Oriente
Médio. O que ninguém pode negar é que, desde 2000, quando se
descobriu o campo gigante de
Kashagan, no Casaquistão -a
maior descoberta em 30 anos-,
não se encontrou nenhum campo
comparável, e as reservas globais
descobertas caíram 40% em comparação com a expansão registrada nos quatro anos anteriores.
Entre 2001 e 2003, apenas 6 das
15 principais firmas produtoras
conseguiram repor integralmente
o óleo que bombearam do solo.
Para os que duvidam da explicação baseada nas limitações geológicas, a razão da baixa taxa de reposição é de natureza econômica.
A visão de curto prazo, característica de um tipo de economia dependente do chamado "valor para o acionista", fez com que as
companhias cortassem em 27% o
orçamento de exploração, no momento em que pagam dividendos
cada vez mais altos, possibilitados
pelos bons preços. O custo, a longo
prazo, é comprometer as reservas
num setor no qual a falta de investimento agora só se fará sentir
plenamente em dez anos.
Para essas grandes companhias, a melhor opção é ganhar
acesso fácil à região que concentra dois terços das reservas já localizadas e de fácil exploração: o
Oriente Médio. O problema é que,
após anos de negociações, nem a
Arábia Saudita nem o Kuait aceitaram a volta das "majors", para
não falar do Irã, fechadíssimo como sempre, nem do Iraque, cuja
porta vem sendo aberta do jeito
que todos sabem. Não há alternativa inteiramente satisfatória,
pois a Rússia, além da incerteza
política, deve, segundo muitos
consultores, atingir o pico em
2007-08, enquanto a África ocidental é também zona de instabilidade crônica. Outro fator complicador é que, mesmo se tudo der
certo e os campos do golfo voltarem a acolher os ocidentais, o resultado líquido será o aumento
da dependência do mundo em relação ao mais problemático dos
pontos quentes de toda a geopolítica universal. Como se pode deduzir dessa análise, a maior parte
da oferta terá de provir do Oriente Médio, cuja produção deverá
dobrar, o que exige investimentos
estimados em perto de US$ 30 bilhões por ano durante muito tempo. É concebível esperar clima de
estabilidade política que viabilize
tal nível de investimento na região do planeta com o mais intenso índice de conflito por metro
quadrado de deserto?
Rubens Ricupero, 67, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações
Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo
Itamar Franco).
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