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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
As máscaras da vulnerabilidade externa
LUIZ GONZAGA BELLUZZO
Editado pelo FMI (Fundo
Monetário Internacional), o
"Global Financial Stability Report" deste mês, apesar do tom geral mais otimista, não esconde as
preocupações com os riscos implícitos na atual onda de sobreliquidez que inunda os mercados
mundiais. Num ambiente de taxas de juros muito baixas, adverte o relatório, os investidores se
inclinam naturalmente para atitudes excessivamente otimistas
na ponderação entre a evolução
esperada dos preços dos ativos e
os riscos envolvidos em sua posse.
Em tais circunstâncias, são fortes
os incentivos para "alavancar"
posições especulativas e avançar
na direção das regiões mais perigosas do espectro de risco.
O entusiasmo quase generalizado no início com a liberalização e
a desregulamentação dos mercados financeiros começa a se transformar em cautela. Os sintomas
dessa mudança devem ser buscados no tom mais prudente das
análises nascidas dos arraiais ortodoxos. A dúvida e o questionamento têm sido gerais e irrestritos.
Agora já são muitos os que criticam as interpretações convencionais que costumam atribuir as
crises financeiras e cambiais à má
gestão monetária e fiscal dos governos. Desde a sucessão de crises
dos anos 90, que culminou com a
derrocada argentina, os analistas
mais responsáveis e menos comprometidos com a ideologia rasa
dos interesses procuram sublinhar o papel desempenhado pela
"dinâmica de mercado" na precipitação de episódios cambiais e financeiros ruinosos.
A história das crises financeiras
é quase sempre a mesma: nas etapas de euforia, a confirmação das
expectativas otimistas leva os possuidores de riqueza a buscar
apostas mais arriscadas, incorporando ativos de menor qualidade
em suas carteiras. Esse é o caso,
por exemplo, dos títulos de dívidas, pública e privada, dos emergentes. Esses países costumam
oferecer aos investidores internacionais rendimentos muito mais
altos do que os apresentados por
papéis de mesmo prazo, emitidos
por governos mais acreditados.
Essa caminhada dos investidores em direção à zona de riscos
mais elevados está sempre amparada pela expansão do crédito
bancário, Podem, assim, os apostadores assumir posições que são
um múltiplo de seu aporte próprio de capital, na esperança de
ulteriores elevações dos preços
que valorizarão seu estoque de riqueza.
Nesse quadro, uma súbita alteração das expectativas pode acarretar uma onda de vendas em
massa que, aliás, começam sempre pelos ativos mais arriscados.
Muitos investidores adquiriram
seus ativos a crédito, enquanto
outros foram mais ousados na
alavancagem. O professor Charles
Kindlelberger afirma, com razão,
que as crises financeiras só se tornam graves quando as flutuações
no valor da riqueza contaminam
os bancos. Quando isso acontece,
a maquinaria econômica entra
em colapso. Na ausência de uma
intervenção tempestiva, de natureza pública, não há simplesmente como fazer a engrenagem capitalista voltar ao seu funcionamento normal.
Desde sempre, os mercados financeiros, entregues à própria lógica, são assim mesmo, sujeitos a
surtos de euforia e de pessimismo.
Isso ocorre a despeito dos esforços
dos economistas que insistem em
desenhar modelos de mercados
eficientes ou construir teoremas
sobre a indiferença das estruturas
de financiamento. A coisa ainda
fica pior quando os surtos de euforia envolvem riscos de "descasamento" de moedas, o que freqüentemente tem levado a crises
cambiais, financeiras e bancárias
em países imprudentes. Crises sistêmicas são inerentes à dinâmica
financeira e uma ameaça permanente ao crescimento das economias. No plano internacional, as
inevitáveis ondas de especulação
instabilizadora envolvem, ademais, ativos de diversas qualidades denominados em moedas distintas. As crises financeiras transformam-se inevitavelmente em
crises cambiais.
Dizem que, para o bom entendedor, meia palavra basta. Mas o
relatório do FMI parece não acreditar na sabedoria das parêmias
populares. Afirma, de boca cheia
e de forma reiterada, que uma
eventual (e provável) mudança
no ambiente financeiro internacional será inevitavelmente
acompanhada de uma elevação
dos rendimentos dos papéis do
Tesouro americano e de uma ampliação dos "spreads" que incidem sobre os bônus dos países
emergentes.
A má notícia: os países com alto
endividamento público e estruturas de dívida externa mais voláteis estarão às voltas com vulnerabilidades até agora "mascaradas pelo clima financeiro favorável". A boa nova: diante das boas
perspectivas de crescimento global e de preços favoráveis das
commodities, os riscos serão reduzidos para os que se prepararam
para o choque e cuidaram de
manter taxas de câmbio adequadas e reservas elevadas.
Luiz Gonzaga Belluzzo, 60, é professor
titular de Economia da Unicamp (Universidade de Campinas). Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos
do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia
do Estado de São Paulo (governo Quércia).
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