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LUÍS NASSIF
O violão "sarado"
Francisco Alves, o Chico
Viola, cantou ao som do
"meu plangente violão". Historicamente, o violão se consagrou por ser o instrumento lírico por excelência. Nele, o bom
intérprete modula o som de várias maneiras, controlando a
intensidade da vibração das
notas tanto com a mão que fere
a corda quanto com a que sustenta o som, ao contrário do
piano, em que a intensidade da
nota depende apenas da força
da batida e dos pedais.
Foi com a interpretação lírica
que Andrés Segovia transformou o violão no instrumento
mais popular do século 20. Foi
assimilando o lirismo das serestas que Villa Lobos revolucionou a produção para violão
com seus choros e prelúdios.
Foi com a pegada firme, sentida, com o uso das pausas, dos
crescendos, que João Pernambuco e Baden Powell projetaram o violão brasileiro, Agustin Barrios e Antonio Lauro
consagraram o violão latino-americano, Julien Bream desenvolveu o lirismo britânico,
Barbosa Lima, Marcelo Khayat, irmãos Assad e Fábio Zanon conquistaram o mundo do
violão erudito, o peruano Jesus
Balbi, que capturei outro dia
pela internet, converteu-se em
um dos maiores intérpretes de
Lauro e Barrios.
Nas duas últimas décadas,
porém, observou-se a decadência do violão. É quando surge a
geração dos violonistas "sarados", intérpretes que colocam a
rapidez como virtude única,
martelando o violão sem modulação, sem nuances, muitas
vezes até sem a limpeza que caracteriza os grandes intérpretes. E passam a ser o lado mais
visível do violão na indústria
cultural.
No violão clássico essa síndrome do "sprinter" tem nos
espanhóis irmãos Romero e em
Manuel Barrueco os representantes mais conhecidos. Do lado popular, pior ainda, porque
as novas escolas nem respeitam
a limpeza que deve caracterizar os grandes intérpretes. E
não se confunda o modo de tocar do cigano Django Reinhardt com esse rasqueado
desconexo de muitos dos intérpretes atuais, dos quais o nome
máximo é o cigano Paco de Lucia, rápido e criativo nos anos
80 e, depois, gradativamente,
apenas rápido e insuportável.
Em geral a síndrome do malabarismo costuma atingir os
jovens. Foi assim com Baden
em suas primeiras gravações
ao vivo. Rapidamente vai
amadurecendo, crescendo sem
parar em todo seu período brasileiro e, depois, na Europa,
continua crescendo até se
transformar em um dos maiores da história. O malabarismo
rasqueante volta na fase final,
da decadência.
No Brasil a praga cigana de
Paco de Lucia acabou vitimando dois dos maiores talentos da
história do violão brasileiro:
Raphael Rabello e Yamandú
Costa. Conhecedores de todos
os sons, insuperáveis nas serestas caseiras, sem a busca sôfrega de aplausos que caracteriza
os shows, renderam-se a um
padrão de sucesso fácil, superficial, de um estilo rápido-sujo,
com rasqueados insuportáveis,
som sem matização, sem pausas, sem interpretação que arrancam aplausos dos leigos,
mas não os transformam em
cultivadores do instrumento.
Natalino Lima, o solista dos
Índios Tabajara, era tão ou
mais rápido que os maiores,
mas com interpretação, com
limpeza, um violonista em estado puro.
Na convivência que mantivemos, Raphael me contava sobre como os violonistas espanhóis se encantavam com o estilo e a pegada do violão brasileiro. Nosso estilo é o da interpretação, da capacidade de tirar matizes diversas do instrumento, de fazer o violão gemer
sob os dedos do virtuose, como
a mulher sob controle do
amante experiente.
Mas, como dizia outro dia
um amigo meu, talentosíssimo,
os "sprinters" atuais esqueceram-se do violão e passaram a
copiar o piano. Buscam versões
de obras pianísticas para jogar
sua velocidade fria. Se é para
tocar como piano, que viva o
piano autêntico. É por isso que
o piano vem revelando gênios
completos, como André Mehmari, e o violão, gênios que não
se realizam, como Yamandú.
O que irrita não é o fato de se
verem presumíveis falsos talentos consagrados. Pelo contrário, é o de ver tantos gênios do
violão desperdiçando seu talento com essas miragens.
Quero de volta meu violão
brasileiro!
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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