São Paulo, domingo, 11 de agosto de 2002

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ARTIGO

Pacote é derrota para próximo presidente

Associated Press
Operadores da Bolsa de Chicago, na sexta-feira, pacote para o Brasil impulsionou alta nas Bolsas


WALTER MOLANO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O "pacote de resgate" anunciado para o Brasil marcou um acontecimento raro na vida, a oportunidade de recuperar dinheiro depois que uma aposta dá errado. Os analistas ficaram em êxtase com relação ao acordo.
Todos tentavam se superar em elogios ao pacote. No entanto, basta observar alguns detalhes para perceber uma história diferente. O pacote de resgate de US$ 30 bilhões consiste de três grandes componentes: redução do piso mínimo de reservas cambiais, rolagem das obrigações para com as instituições multilaterais em 2003 e dinheiro novo.
Em troca, o governo brasileiro se comprometeu a manter um superávit fiscal primário de 3,75% do PIB pelos próximos três anos. O governo concordou em que o FMI (Fundo Monetário Internacional) monitorasse seu desempenho fiscal em base trimestral.
Diversos analistas elogiaram o pacote porque o programa prevê empréstimos escalonados, com a maior parte dos fundos desembolsada em 2003. Mas estudo mais detalhado do plano sugere o oposto. O verdadeiro benefício do programa será realizado em 2002, permitindo que o presidente Fernando Henrique Cardoso e sua equipe econômica encerrem seus mandatos sem sofrer o embaraço de uma moratória ou de um colapso econômico.
O estudo dos detalhes revela dois elementos cruciais. O primeiro é uma redução de US$ 10 bilhões no piso de reservas cambiais, de US$ 15 bilhões para US$ 5 bilhões. Wall Street considera que essa medida foi muito positiva, porque provê cerca de US$ 16 bilhões em liquidez adicional para o mercado de câmbio.
O real certamente subirá, o que é uma ótima notícia para os bancos que precisam liquidar posições ou encerrar contratos de financiamento comercial, mas não representa vantagem nenhuma para um investidor que detenha uma obrigação com vencimento em 2040. Pelo contrário. Para os investidores de médio e longo prazos, é uma má notícia, porque significa que existe uma boa chance de que o país perca suas reservas no curto prazo.
Há outro elemento interessante no plano. O FMI só ofereceu US$ 6 bilhões em dinheiro novo. No entanto, esse dinheiro será desembolsado em 2002. O comunicado do FMI informava que o programa seria aprovado até o começo de setembro e que os US$ 6 bilhões estariam disponíveis para saque imediato. Ou seja, o dinheiro vai para o governo atual, e a conta, para o governo que será eleito.

Sem novidade
Assim, não há nada de novo no pacote do FMI. Foi aquilo que nos acostumamos a esperar. Um programa modesto de US$ 6 bilhões que comprará tempo suficiente para FHC encerrar seu mandato.
O resto do pacote não passa de prestidigitação. Foi simplesmente uma autorização do FMI para que a equipe econômica que está saindo do poder esgote a maior parte dos ativos líquidos brasileiros. E também permite que o Brasil role suas obrigações para com as instituições multilaterais que vencem em 2003, algo que já sabíamos que aconteceria.
Em resumo, o pacote foi proposta vencedora para todos os envolvidos nas negociações. Foi uma vitória para o Tesouro dos Estados Unidos porque minimiza o uso do dinheiro dos "encanadores e carpinteiros" que vai parar em contas na Suíça. Foi uma vitória para o Departamento de Estado porque causou a impressão de que os Estados Unidos estão dispostos a apoiar seus aliados latino-americanos.
Foi uma vitória para o Departamento de Comércio porque permite o avanço das negociações da Alca (Área de Livre Comércio das Américas). Foi uma imensa vitória para FHC porque permite que ele encerre seu mandato sem grandes embaraços. Foi também um ganho extraordinário para os bancos de investimento, porque permite que liquidem suas posições de curto prazo e realizem "hedge" para as demais.
Infelizmente, foi uma derrota para o próximo presidente do Brasil, porque deixou a ele o ônus de manter superávit fiscal primário de 3,75% do PIB durante a maior parte de seu mandato. Embora diversos analistas tenham elogiado a adoção desse percentual, ele é muito superior ao superávit primário obtido por FHC durante seu primeiro mandato.
A equipe de FHC vem trabalhando com uma meta de superávit primário de 3,75% há apenas algumas semanas. Além disso, o novo governo terá de enfrentar inspeções trimestrais do FMI.
O pacote do FMI autoriza o governo em fim de mandato a limpar os cofres do Banco Central e a deixar as contas para a próxima administração. Portanto, a probabilidade de moratória brasileira é maior agora do que no passado.
É hora de sair da festa. Aproveite a oportunidade criada pela demanda por papéis brasileiros e procure a saída mais próxima.
A conta, por favor.


Walter Molano é analista para a América Latina da corretora BCP Securities.

Tradução de Paulo Migliacci


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