São Paulo, domingo, 12 de janeiro de 2003

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Excesso de despesas internas, perdas no país vizinho e disputa por poder teriam motivado saída do executivo

Meirelles deixou FleetBoston após crise argentina

DE WASHINGTON

Uma disputa pelo comando do FleetBoston, acusações de gastos excessivos no banco, a crise financeira do ano passado nos EUA e a sedução política estão entre as causas da saída de Henrique Meirelles do banco.
Segundo Meirelles, a vida pública e a carreira política no Brasil o seduziram. Funcionários do banco insistem que Meirelles foi isolado e alijado da linha sucessória em 2001 -pouco antes de anunciar a amigos sua intenção de lançar-se candidato no Brasil.
O golpe contra Meirelles, segundo a Folha apurou entre funcionários do banco, teria sido motivado por despesas internas excessivas, pelo estrago da crise argentina e pelo estilo pessoal do brasileiro, considerado disperso, pouco discreto e incompatível com o dos executivos que assumiam as rédeas da instituição.
"São fofocas sem nenhum sentido", disse Meirelles à Folha.
Os fatos em questão datam de agosto de 2001, quando a direção do FleetBoston retirou de Meirelles o título de presidente da divisão de atacado, uma das duas áreas sob seu controle desde a fusão do Fleet Financial Group com o BankBoston, em 1999. Meirelles permaneceu com a presidência da divisão Global, responsável por 3% do total de ativos do conglomerado financeiro.
A presidência de atacados foi transferida para Jay Sarles, executivo abaixo do brasileiro na hierarquia do banco - e, segundo a Folha apurou, seu desafeto. Meirelles diz ter sido ele quem propôs ao conselho livrá-lo dessa função e autorizar sua mudança para o Brasil, onde estudaria a possibilidade de candidatar-se. "Eu já havia informado ao banco minha vontade de participar do debate público no Brasil", disse.
Mas há quem discorde. Para analistas nos EUA e funcionários do FleetBoston, a mudança teria partido da direção do banco, sepultando as chances de Meirelles, próximo da aposentadoria, ascender na corporação, tornando sua permanência insustentável.
Ao anunciar as mudanças para seus acionistas no fim de 2001, a direção do banco informou: "Em última análise, o sucesso de nossa estratégia vai depender do calibre das pessoas que a executam. Temos enorme confiança em nossa experiente gerência, que reformulamos recentemente. Em particular, consolidamos todas as atividades institucionais e corporativas sob a liderança de Jay Sarles. Henrique Meirelles permanece responsável pelas operações globais [fora dos EUA]".
A versão de Meirelles para o fato é diferente. Segundo o presidente do BC brasileiro, teria sido ele quem propôs ao conselho do banco deixar de ser responsável pela área de atacado para mudar-se para o Brasil. A versão de Meirelles indica que o banco deu a ele autorização para trabalhar simultaneamente para a instituição e para si próprio, explorando, por meio do "debate público", meios de ingressar na vida política.
Segundo relatos de vários funcionários do banco, Meirelles vinha sofrendo críticas por gastos excessivos num momento em que fracassara sua estratégia de elevar operações do banco na América Latina. Somente na Argentina, o banco perdeu cerca de US$ 2,6 bilhões.

Fusão incompleta
Mas há também os problemas remanescentes da fusão, que acirraram diferenças no casamento entre os executivos oriundos do Fleet e aqueles que, como Meirelles, vieram do BankBoston.
O Fleet era uma instituição agressiva no mercado de varejo, mas sem presença internacional. Seus executivos gabavam-se de suas rotinas frugais, de suas camisas de manga curta e dos sanduíches consumidos em rápidos almoços. Os executivos do BankBoston, banco com tradição internacional, trabalhavam com pompa e ritual decorrentes da tradição aristocrática da instituição.
Antes de a fusão ser anunciada, a direção do Fleet criticava abertamente as operações do BankBoston em mercados emergentes, considerando-as arriscadas. Em 1999, enquanto o BankBoston sofria com a crise nos emergentes, o Fleet crescia com aquisições nos EUA. Quando veio a fusão, naquele ano, o Fleet ficou com seis dos nove principais cargos do novo banco.
(MARCIO AITH)


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