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OPINIÃO ECONÔMICA
Começa mal o século
RUBENS RICUPERO
Se o século 20 só começa de
fato com a guerra de 1914, é
cada vez mais claro que o 11 de setembro inaugurou, sob sinistros
auspícios, o século que estamos
principiando com medo, mais do
que com esperança. Desde aquela
data fatídica, uma sucessão de desastres vem escurecendo os horizontes não só políticos como econômicos das relações internacionais.
Os seguintes eventos de sentido
invariavelmente ameaçador teriam de ser destacados em qualquer balanço, mesmo incompleto,
dos sete últimos meses:
1º) A irrupção do terrorismo e da
luta antiterrorista como princípio
definidor da vida internacional e
a militarização da política exterior;
2º) A explosão, fora de controle,
do conflito do Oriente Médio;
3º) A crise argentina, seus efeitos
de desintegração política e social e
o perigo de que, deixada sem solução, ela termine por alastrar-se
pela região;
4º) O avanço da extrema direita
na Europa e o nefasto endurecimento que acarreta no tratamento tanto do problema crucial da
migração como de outras questões
ligadas à liberalização dos intercâmbios;
5º) A exacerbação do protecionismo nos líderes da economia
mundial, ameaçando as perspectivas das negociações comerciais
na OMC e na Alca e os sinais preliminares de que o dólar está entrando em área de turbulência.
Uma das características mais
salientes dos atentados do ano
passado foi reafirmar a absoluta
primazia da política sobre a economia e do Estado sobre as chamadas forças espontâneas do
mercado. Tanto a precipitação da
recessão que já se vinha anunciando na economia americana
como sua rápida superação graças
aos vigorosos estímulos governamentais foram fenômenos de motivação essencialmente política.
Se alguém duvida ainda da autonomia do político, basta atentar
para o que diz a imprensa americana acerca da próxima fase da
ofensiva antiterrorista. Dias atrás,
o "Herald Tribune" publicava, em
primeira página, que um ataque
contra o Iraque, que envolveria
250 mil homens, teria sido adiado
para o início de 2003. A principal
razão seria o recrudescimento do
conflito árabe-israelense. Outro
motivo, contudo, residiria na necessidade de medidas acautelatórias contra o aumento dos preços
do petróleo em decorrência das
operações. Não sei, é óbvio, se o artigo tem alguma procedência. Utilizo-o apenas como exemplo do
que me parece significativo. Um
desdobramento como esse, de incalculáveis consequências para a
frágil retomada da economia
mundial, para os países pobres
importadores de petróleo com
enorme potencial de desestabilizar a vida dos milhões que dependem do automóvel nas nações ricas, é tratado como perfeitamente
plausível, como risco aceitável
diante da preeminência das considerações de segurança. Como ficamos longe da atitude de ontem,
quando a globalização era apresentada como onda avassaladora
e irresistível, a promessa exuberante de mercados em expansão
perpétua, tornando a política mero exercício monótono de solução
de problemas técnicos, conforme
escrevia Fukuyama em "O Fim da
História"!
Todos os acontecimentos ou tendências relacionados no início
deste artigo possuem dois aspectos
em comum. O primeiro é a supremacia indiscutível dos fatores políticos até em situações em que
aparentemente predominam elementos econômicos. Ante as convulsões argentinas, a atitude de
calculada insensibilidade, mesclada a uma dimensão de castigo, só
se explica porque, em contraste
com a Turquia, por exemplo, o
nosso infortunado vizinho carece
de importância político-estratégica. De igual modo, foram interesses políticos que ditaram as decisões sobre o aço ou a lei agrícola
nos Estados Unidos, assim como a
plataforma de proteção continuada à agricultura que saiu vitoriosa
das eleições francesas. Em um caso como no outro, a opinião unânime dos mercados e analistas
econômicos era contrária, mas de
pouco ou nada valeu.
O segundo aspecto -particularmente presente no barril de pólvora do Oriente Médio e nas primeiras rachaduras na fortaleza do
dólar- é que tais fatos aumentam sensivelmente a já alta taxa
de incerteza, imprevisibilidade e
insegurança do sistema internacional. Não quer isso dizer que se
caminha necessariamente para a
catástrofe. É possível que o futuro
nos reserve boas surpresas, que o
conflito palestino-israelense acabe
por encontrar o caminho da paz,
que as negociações comerciais
exorcizem os fantasmas do protecionismo, que aos poucos volte ao
normal a situação argentina. Tudo pode acontecer, mas, se quisermos ficar no terreno da "tirania
dos fatos", não há como esconder
que os tempos se anunciam bicudos. Quando os cães da guerra
voltam a correr soltos, é difícil
imaginar que haverá o clima de
confiança indispensável aos investimentos de longo prazo e ao crescimento acelerado das economias
centrais e, por tabela, das dos periféricos como nós.
Rubens Ricupero, 65, é secretário-geral
da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento),
mas expressa seus pontos de vista em caráter pessoal. Foi ministro da Fazenda
(governo Itamar Franco).
E-mail - rubensricupero@hotmail.com
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