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RECEITA HETERODOXA
Paul Samuelson diz que EUA não ganharão sempre com prática em voga; colegas refutam tese
Nobel vê perdas com terceirização externa
STEVE LOHR
DO "NEW YORK TIMES
Aos 89 anos, Paul Samuelson,
economista laureado com o Prêmio Nobel e professor emérito do
MIT (Instituto de Tecnologia de
Massachusets, na sigla em inglês),
continua a exibir grande vigor intelectual e grande capacidade de
contestar e divertir.
Sua divergência quanto ao consenso econômico dominante com
relação à terceirização externa e à
globalização será publicada neste
mês por uma revista respeitada,
envolta em frases inteligentes e
equações teóricas, mas claramente entendida como um ataque à
ala ortodoxa de sua profissão: o
chairman do Fed (Federal Reserve, banco central dos Estados
Unidos), Alan Greenspan; Gregory Mankiw, presidente do Conselho de Assessores Econômicos
da Casa Branca; e Jagdish Bhagwati, importante economista internacional e professor da Universidade Colúmbia.
Esses pesos-pesados da economia e outros são acusados por Samuelson de perpetrar "uma mentira polêmica e popular".
Popular entre os economistas,
claro. A mentira em questão, afirma Samuelson em artigo para o
"Journal of Economic Perspectives", é a suposição de que as leis
da economia determinam que a
economia norte-americana se beneficiará, no longo prazo, de todas as formas de comércio internacional, incluindo a terceirização de serviços para outros países,
como centrais de atendimento telefônico e divisões de criação de
software.
É claro, escreve Samuelson, que
os economistas ortodoxos reconhecem que certas pessoas ganharão e outras perderão, em curto prazo, mas rapidamente acrescentam que "os ganhos dos beneficiados, nos Estados Unidos, serão grandes o bastante para mais
que compensar as perdas dos prejudicados".
Essa suposição, em geral aceita
pelos economistas, é "uma espécie de falácia", porque "está completamente errada no que tange a
estabelecer que o número de beneficiados sempre superará o de
prejudicados".
Em outras palavras, o comércio
internacional nem sempre resultará em vantagem para a economia norte-americana, de acordo
com Samuelson.
Em entrevista concedida na semana passada, Samuelson disse
ter escrito o artigo para "esclarecer as coisas", porque "a defesa
ortodoxa da globalização expõe o
problema de maneira simplificada demais". Samuelson, que se
define como "democrata de centro", diz que sua análise não inclui
uma receita política e enfatizou
que não tinha por objetivo justificar medidas protecionistas.
Até agora, disse ele, os ganhos
auferidos pelos EUA superaram
as perdas, no caso do comércio
internacional, mas nada garante
que essa situação se perpetue.
Em seu artigo, Samuelson começa apontando a inquietação
que muitos norte-americanos
sentem com relação aos seus empregos e salários hoje, especialmente com a ascensão das economias chinesa e indiana, baseada
em baixos salários, trabalhadores
cada vez mais capacitados e conhecimentos tecnológicos cada
vez maiores. "Trata-se de uma
questão quente, agora e para a
próxima década. Não vai desaparecer", escreve.
O ensaio é o esforço de Samuelson para contribuir com uma visão econômica balanceada para o
debate político referente à terceirização e ao comércio internacional. O "Journal of Economic Perspectives", revista trimestral publicada pela American Economic
Association, tem modesta circulação de 21 mil exemplares, mas é
bastante influente em seu campo.
De fato, Bhagwati e dois colegas,
Arvind Panagariya, professor de
economia na Universidade Colúmbia, e T. N. Srinivasan, professor de economia na Universidade
Yale, já submeteram à revista um
artigo ("The Muddles Over Outsourcing" [Confusões quanto à
terceirização]) que serve parcialmente como refutação ao trabalho de Samuelson.
As críticas de Samuelson ganham peso adicional dada a reputação do autor.
"Ele inventou muitos dos modelos econômicos que todo mundo usa", apontou Timothy Taylor,
editor-executivo do "Journal of
Economic Perspectives".
Para gerações de alunos de graduação, desde 1948, estudar economia implica usar um livro de
Samuelson, agora em sua 18ª edição. (Desde a 12ª edição, o trabalho conta com a colaboração de
William Nordhaus, economista
da Universidade Yale). Porque ele
lecionou no MIT por seis décadas,
as fileiras de elite dos economistas
estão repletas de ex-alunos seus,
entre os quais Bhagwati e Mankiw.
De acordo com Samuelson, um
país de baixos salários que esteja
melhorando rapidamente sua
tecnologia, como a Índia ou a China, tem o potencial de alterar os
termos de comércio com os Estados Unidos em áreas como as
centrais de atendimento telefônico e a produção de software de
forma que reduziria a renda per
capita norte-americana. "O salário real no novo mercado de trabalho termina reduzido em razão
dessa visão quanto à dinâmica do
livre comércio", escreveu Samuelson.
Mas comprar mais barato não
significa que os serviços de atendimento telefônico e produção de
software instalados no exterior reduzem os custos dos insumos para diversos setores, gerando benefícios líquidos para a economia?
Não necessariamente, explica Samuelson. Para simplificar as coisas, disse ele na entrevista, "se você é capaz de comprar produtos
20% mais baratos no Wal-Mart,
isso ainda assim não quer dizer
que as perdas de salários estão
sendo compensadas".
A difusão mundial da computação de baixo custo e de comunicações via internet derruba as velhas
barreiras geográficas entre os
mercados de trabalho, apontou, e
pode acelerar a pressão sobre os
salários em vastas porções do setor de serviços. "Se você não acredita que isso mudaria a média salarial norte-americana, então você acredita na fadinha dos dentes", disse Samuelson.
O artigo, acrescentou o economista, não é uma refutação da
teoria de David Ricardo sobre a
vantagem comparativa, apresentada em 1817 e vista como a Carta
Magna da economia internacional. A teoria alega que o livre comércio permite que as economias
se beneficiem da eficiência gerada
pela especialização mundial. Samuelson disse que ele estava apenas "interpretando de maneira
plena e correta a teoria da vantagem comparativa proposta por
Ricardo". Sua interpretação, insiste ele, inclui algumas "importantes correções" aos argumentos
dos defensores da globalização.
Esse tipo de correção não é novidade na carreira de Samuelson.
Ele lembrou que, em contexto diferente, tratou de tema semelhante já em 1972, em palestra proferida pouco depois de receber o Nobel e intitulada "O Comércio Internacional para um País Rico".
De sua parte, Bhagwati não contesta o modelo que Samuelson
apresenta em seu artigo. "Paul é
um grande economista e um teórico excepcional", disse. "E, em
mercados como os serviços de
tecnologia da informação, onde
os Estados Unidos têm uma grande vantagem, é verdade que, caso
as habilitações de outros países se
desenvolvam, isso pode reduzir
nossa vantagem competitiva e
nossas exportações."
Mas Bhagwati, autor de "In Defense of Globalization" (Em defesa da globalização), diz que duvida que o modelo de Samuelson
seja aplicável à economia como
um todo. "Paul e eu discordamos
apenas quanto aos aspectos realistas do assunto", disse.
A preocupação exagerada, diz
Bhagwati, é a de que a China leve
embora a maior parte dos empregos industriais e a Índia a maior
parte dos empregos no setor de
serviços de alta tecnologia. Tendo
em conta o pequeno número de
empregos efetivamente transferidos e com base em seu conhecimento pessoal dos países em desenvolvimento, ele conclui que as
preocupações quanto à terceirização externa vêm sendo muito exageradas.
Como exemplo, Bhagwati
apontou para estimativas freqüentemente repetidas de que,
por causa da internet, até 300 milhões de trabalhadores com bom
nível educacional, em sua maioria
chineses e indianos, poderiam ingressar na força de trabalho e concorrer com os norte-americanos
por empregos para profissionais
capacitados.
Em seu estudo, Bhagwati e seus
co-autores escrevem que esse tipo
de avaliação sobre os sistemas
educacionais da China e da Índia
"beira o absurdo". Em entrevista,
Bhagwati disse que "há muita
gente, mas não quer dizer que sejam qualificados. Pensar assim,
na verdade, é fazer uma generalização baseada na qualidade dos
profissionais chineses e indianos
que conseguem empregos no vale
do Silício".
O modelo de Samuelson, disse
Bhagwati, só gera perdas econômicas líquidas quando outros
países reduzem seu diferencial
tecnológico para com os Estados
Unidos.
"Mas podemos mudar os termos do comércio internacional se
continuarmos galgando os degraus da tecnologia", disse. "Os
Estados Unidos são uma sociedade razoavelmente flexível, dinâmica e inovadora. Por isso, sou
otimista."
As implicações políticas, acrescentou, incluem mais investimento em ciência, pesquisa e educação. E Samuelson e Bhagwati concordam em que a maneira de ajudar os trabalhadores que saem
perdendo com a competição internacional, em seu período de
ajuste, é por meio de programas
de seguro-desemprego.
"Precisamos de mais proteção
temporária para os que saem perdendo", disse Samuelson. "Minha
crença é de que toda boa causa valha alguma ineficiência."
Tradução de Paulo Migliacci
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