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LUÍS NASSIF
O campeão que se perdeu
Eder Jofre foi um bem e um
mal para o boxe e o amor
próprio nacional. O país engatinhava, dava seus primeiros passos no mundo e eis que surge,
quase do nada, um boxeador dos
maiores da história, com uma
carreira épica e fulminante. E depois dele?
Disse quase do nada, porque
antes de Eder houve Abrahão de
Souza, de quem o senador Suplicy
foi sparring e que teria sido dos
maiores não fosse a vida desregrada, o alcoolismo e, no desfecho, o mal de Chagas.
Toca o país a procurar um sucessor que repetisse ou pelo menos
se aproximasse da mística do "galinho de ouro". Tentou-se Rosemiro "Pelé" dos Santos, mas as
drogas o derrotaram. Arriscou-se
com João Henrique, que chegou
perto do título, manteve uma luta
magistral com o canhoto italiano
Bruno Arcari, dominou os primeiros assaltos, parecia que seria
nosso segundo campeão, mas no
meio da luta deu um branco. Parou, esqueceu de lutar e levou um
gancho de esquerda que o nocauteou. E deu outro branco quando
enfrentou o bailarino argentino
Nicolino Locche. Voltou a lutar,
mas sempre na hora H dava o
branco. Morreu em um desastre
de ônibus, auxiliando a tirar vítimas das ferragens, até que a vida
se esvaísse de vez por uma hemorragia interna que ele, por solidariedade, ignorou.
Depois, se tentou Miguel de Oliveira, o lenhador de Osasco, forte
como um touro, que chegou a
conquistar um título mundial,
mas não resistiu à primeira defesa. Miguel era um touro de forte,
mas era tenso, o braço de lenhador ficava permanentemente preso ao corpo, sem soltar o golpe.
Dava uma aflição danada a gente
vê-lo lutar no Ibirapuera.
Nesse ínterim, houve alguns
poucos estilistas fantásticos, como
Juarez de Lima, um bailarino insuperável, mas de pouco punch. E
o mosca Servílio de Oliveira, que
teria sido campeão não fosse um
médico descuidado que permitiu
que prosseguisse em uma luta
com um mexicano, que lhe custou
uma das vistas, na preliminar da
luta de exibição que Muhammad
Ali fez em São Paulo enfrentando
o argentino Alberto Lowell Jr.
Mas entre todos não houve
maior promessa não-realizada
do que João Mendonça, o gigante
negro do Corinthians. Você precisava ter assistido a uma de suas
lutas para conferir. Ele tinha a
técnica e a precisão de golpes de
João Henrique, a força de Miguel
de Oliveira, esquiva próxima à de
Servílio.
No ringue era uma pantera que
rodeava os adversários despejando jabs e diretos com uma eficiência poucas vezes vista no boxe
brasileiro. Nas primeiras lutas
profissionais, ninguém mais tinha dúvidas de que seria o próximo campeão mundial incontestável.
Mas aí veio a vida e desfez a
promessa. João Mendonça passou
a se comportar de modo estranho,
um pouco deslumbrado pela noite, um pouco por algo que o atormentava e não se sabia bem o
quê. Nessa condição, enfrentou
um lutador estrangeiro, bom de
técnica, acho que jamaicano ou
algo parecido, e precisou ser ajudado pelo juiz para vencer. Os fãs
não entendiam bem o que acontecia. O adversário era bom, mas
João Mendonça estava irreconhecível.
Teve poucos lutas mais, nem me
lembro se perdeu por nocaute ou
por pontos. Mas estava claro que
o destino heróico se desviara em
alguma quebrada da vida. Nem
lembro o que ocorreu. Ficou violento fora do ringue, abusou, foi
preso. Dizem que enlouqueceu,
atacado pela sífilis. Nem sei se
ainda vive ou não. Nos sites de
busca da internet, é impossível localizar seu nome, menos ainda
sua história.
Mas ficará vivo na lembrança
de todos aqueles que conseguiram, por um breve tempo, assistir
à saga do campeão que se perdeu.
E-mail - LNassif@uol.com.br
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