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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
A guerra deles e as nossas "guerras"
MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES
Os falcões do Departamento de Defesa já estão para
além de Bagdá em todos os sentidos, inclusive os pejorativos, o que
leva a superpotência a uma retórica de escalada no terreno minado
do Oriente Médio. A disputa pelo
espólio da guerra (petróleo e reconstrução) é escandalosa e coloca
as demais potências aliadas e rivais numa contestação surda ou
aberta contra as pretensões geoeconômicas e geopolíticas da superpotência.
Esta guerra não teve os efeitos
estimulantes sobre a economia
norte-americana do tipo dos que
ocorreram no período Roosevelt,
na Segunda Guerra Mundial, ou
mesmo de Reagan, na escalada final da Guerra Fria. O complexo
militar-industrial dentro dos EUA
já tem uma dimensão gigantesca e
ultramoderna que não envolve a
"construção" de uma "nova economia". Essa já ocorreu e está em
recessão desde 2001. As despesas
das tropas de ocupação e da reconstrução do Iraque são fora do
país e podem beneficiar apenas os
lucros de algumas grandes empresas, mas não têm efeito multiplicador de renda e nem de retomada
do investimento na economia interna. O último relatório do FMI
sobre "Perspectivas da Economia
Mundial" avisa: "Dados os riscos e
limitações que envolvem a economia norte-americana é urgente a
redução da dependência da economia global em relação aos
EUA".
Enquanto isso, as nossas "batalhas" imediatas pela estabilização
da economia e pelo avanço da cultura político-democrática brasileira, incluindo o debate com representantes da sociedade civil em todos os planos e no Conselho Econômico Social, deram a pauta do
primeiro trimestre.
As previsões mais pessimistas sobre conjuntura de dois meses atrás
(inclusive as minhas e do editorial
da Folha, ambas publicadas em 16
de fevereiro) não se verificaram
porque o preço do petróleo e o
câmbio caíram e a taxa de inflação cedeu. Fazer previsões sobre
uma conjuntura tão incerta, concorde-se ou não com a política
macroeconômica, só dá certo por
acaso. Mesmo as velhas identidades (supostamente de equilíbrio
ou de paridade), como os juros internos (iguais aos juros externos
mais o risco Brasil mais a taxa de
inflação), não têm o menor sentido (o dr. Delfim que me perdoe).
Em mercados especulativos em
que existe arbitragem presente e
futura entre juros e câmbio, nenhuma "identidade simples" resiste e tão pouco a capacidade de
predição de modelos mais sofisticados.
A política macroeconômica virou uma arte de contornar conjunturas adversas e de fazer apostas conservadoras, que só podem
dar certo a curto prazo com a
atração de capitais compensatórios ou especulativos. No primeiro
trimestre deste ano entraram cerca de US$ 5 bilhões de curto prazo,
o que explica a queda drástica do
cupom cambial em dólar. As políticas de investimento, desenvolvimento e emprego, porém, são de
outra natureza e têm de ser iniciadas olhando o estado das cadeias
produtivas, da capacidade de expansão de crédito interno e externo de longo prazo a juros mais
baixos e da disposição do setor privado de investir antes que chegue
rapidamente à plena ocupação de
capacidade. O crescimento das exportações e da substituição de importações, que permitem enfrentar
a restrição externa a médio prazo,
serão dificultadas se o câmbio se
apreciar ou flutuar demais. O crédito externo de longo prazo com
menor taxa de juros em dólar já
está sendo oferecido às grandes
empresas exportadoras e às agências públicas de fomento. A dificuldade é encontrar tomadores
(muitos deles ainda endividados)
por causa do risco cambial.
Do ponto de vista do emprego, as
oportunidades e os recursos para
setores tradicionalmente empregadores de mão-de-obra -construção civil e saneamento- existem. O problema está nas atuais
condições de financiamento para
a população de nível de renda
mais baixo. Programas como o do
primeiro emprego e cooperativas
de trabalhadores podem ajudar se
forem bem concebidos e executados. As políticas sociais de caráter
universal, como saúde e educação,
além de serem altamente empregadoras, têm as maiores redes territoriais do país que podem ser
coordenadas para dar uma cobertura mais abrangente ao combate
à fome e à subnutrição. O mesmo
vale para o resgate de uma política
mais ampla de seguridade social.
As redes de crédito às pequenas
empresas podem ser ampliadas
pelo Banco do Brasil e pela Caixa
Econômica Federal, que têm o
maior número de agências no país
inteiro, desde que sejam autorizadas a praticar crédito supervisionado com menores taxas de juros.
Esses foram alguns dos temas
discutidos na reunião da bancada
do PT, na terça-feira passada, na
Câmara dos Deputados, da qual
participamos como expositores
-eu e o senador Aloizio Mercadante. Tentamos explicar claramente a evolução da conjuntura
de setembro de 2002 para cá, e discutir as notícias positivas e as dificuldades que temos pela frente.
Relembramos também qual é o
nosso projeto de desenvolvimento
para o país, as linhas gerais de
nossa inserção internacional e a
necessidade de redução de nossa
dependência financeira da economia global. Não ocultamos os obstáculos que temos de vencer para
retomar o crescimento sustentado,
a começar pelo da restrição externa e o da reconstrução da infra-estrutura. Já a inclusão social é uma
política de grande complexidade e
envergadura que exigirá desde
movimentos localizados mais rápidos até estratégias coordenadas
de médio e longo prazos.
A segurança da população em
novos moldes também faz parte
das nossas "guerras" particulares
que é preciso combater com urgência e com o apoio recíproco dos governos estaduais e da União e que
supõe maior vigilância das fronteiras. Em resumo: as guerras da
superpotência se resolvem pela
força; as nossas têm de ser travadas com paciência, diálogo e consensos majoritários ou acordos
parciais para mudar a nossa cultura política e reorganizar o Estado em todos os níveis.
Maria da Conceição Tavares, 72, economista, é professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
professora associada da Universidade de
Campinas (Unicamp) e ex-deputada federal (PT-RJ).
Internet:
www.abordo.com.br/mctavares
E-mail -
mctavares@cdsid.com.br
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