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ENTREVISTA
Ministro Luiz Fernando Furlan diz que função de Palocci é a de ser o goleiro do time, e "nós temos de fazer gol"
Política industrial de Lula sai até agosto
VIVALDO DE SOUSA
COORDENADOR DE ECONOMIA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
ANDRÉ SOLIANI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Agosto. Esse é o prazo fixado
pelo ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, para
definir a política industrial que o
governo Lula implementará no
resto do seu mandato. "Transição
para mim é seis meses", disse Furlan, 56, sobre o viés desenvolvimentista que pretende imprimir
no governo a partir do segundo
semestre.
Em dezembro de 2002, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci
Filho, em entrevista a Folha, disse
que o prazo de transição para um
novo modelo econômico seria de
dois anos.
Segundo Furlan, em julho começa o segundo tempo do jogo
para o governo Lula. O primeiro
foi jogado na retranca- a transição-; o segundo, seria a hora de
fazer gol. A Palocci não caberá
destaque na artilharia do time.
"Palocci é extraordinário, sereno
e tranquilo. Me dou muito bem
com ele. Agora, o ministro Palocci
é o goleiro do time. É o cara que
não pode deixar a bola passar e
nós temos de fazer gol", afirmou.
Leia a seguir os principais trechos
da entrevista concedida na tarde
da última sexta-feira.
Folha - O que é a política industrial do governo Lula? Aparentemente, nada mudou em relação ao
governo anterior.
Luiz Fernando Furlan - Nós optamos por ter uma formulação de
política industrial discutida com
os protagonistas, ao invés de estabelecer por decreto.
Selecionamos 20 setores para
avançar no Fórum de Competitividade das cadeias produtivas.
Folha - O sr. tem algum prazo para apresentar a proposta de política industrial?
Furlan - Gostaria de ter isso concluído até agosto.
Folha - A política industrial será
para setores específicos ou serão
políticas gerais?
Furlan - Nós vamos ter três níveis. Teremos políticas nacionais,
regionais e setoriais.
Folha - Haverá incentivo fiscal para a política regional?
Furlan - Não necessariamente.
Se nos engajarmos, por exemplo,
num projeto de utilização das matérias primas de uma região para
aumentar o valor agregado, não é
preciso ter incentivos fiscais.
Aliás, esse é um viés equivocado.
Folha - O governo divulgou um
documento no qual afirma que a
política industrial setorial vai estabelecer metas a serem cumpridas.
Que tipo de metas?
Furlan - Na cadeia de plásticos,
nós vamos transformar um déficit comercial num superávit de
US$ 800 milhões. Durante o governo Lula, o pólo industrial de
Manaus será superavitário.
Folha - O Brasil precisa ter multinacionais lá fora?
Furlan - Há muitos anos que a
soberania do país se exerce por
meio de poder político e de poder
econômico. O poder econômico,
em muitos casos, é exercido por
meio de empresas. O país que não
tiver multinacionais será um país
de alguma forma dominado.
Folha - Para criar uma multinacional brasileira é preciso um empurrãozinho do governo?
Furlan - É preciso. A decisão do
BNDES de financiar investimentos de empresas brasileiras no exterior é um legítimo empurrãozinho. O BNDES financiava apenas
investimentos aqui. Hoje, se uma
empresa brasileira quiser fazer
uma fábrica no exterior, não há
impedimento para que ela tenha
apoio do BNDES.
Podemos ter políticas governamentais que facilitem a vida de
empresas brasileiras que queiram
se expandir para o exterior. Esse
tipo de coisa é um legítimo anseio
de soberania. Ou vamos ficar aqui
com empresas sendo alvos?
Folha - O que mais o governo pode fazer?
Furlan - Fazer o que os outros
governos fazem. Se queremos
vender um produto que tem alguma dificuldade, o presidente precisa pegar o telefone e ligar para o
outro presidente. Os franceses
não ligaram para presidente brasileiro para venderem helicópteros; os americanos não fizeram
lobby para vender equipamentos
para o Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia). O governo
atual não deve sentir vergonha de
defender o interesse do país,
quando esse interesse é representado por uma empresa. Isso é a
coisa mais natural do mundo.
Folha - O governo espera um crescimento maior da economia em
2004, cerca de 4%. Será possível,
nesse cenário, manter o crescimento da exportações?
Furlan - Eu acho que 10% dá para manter no ano que vem. Mas é
preciso tomar algumas providências já. Alguns setores que têm
gargalho precisam começar a investir. Há muitos projetos em andamento e tenho recebido toda
semana empresas que estão
anunciando investimentos. Certamente vamos colher no ano que
vem dividendos da política de
promoção comercial deste ano.
Folha - Se mantiver um crescimento médio de 10% ao ano chegaremos ao final do governo Lula
com exportações pouco acima de
US$ 80 bilhões...
Furlan - Não. Será muito mais.
Se crescermos 13% a 14%, que é
uma conta de balcão de padaria,
nós vamos passar de US$ 100 bilhões. Vão me falar que isso é impossível, mas pega o México, a
Coréia, a China e provavelmente a
Rússia. Eles fizeram recentemente e estão fazendo.
Folha - Mesmo nesse cenário externo adverso?
Furlan - Você já ouviu a expressão que o Brasil não é vendido,
mas que o Brasil é comprado.
Quer dizer que as empresas, a
maioria, fica aqui e vem alguém e
diz: "você quer vender seu produto". Esse governo vai mudar isso.
Nós vamos vender fora. Você pode dizer a Europa está em recessão, os EUA estão em recessão, o
Japão está em recessão, mas
quanto do mercado mundial é isso, quanto da população mundial? Pouca gente. Só com a China
vamos crescer mais de 40% neste
ano. Eu acho que é possível chegar aos US$ 100 bilhões, mas eu
não estou propondo essa meta.
Folha - Passados cem dias do governo Lula, qual a prioridade na
área econômica?
Furlan - A prioridade da área
econômica é construir um cacife
de credibilidade e isso está acontecendo. Uma casa tem de ter
bons alicerces. Se tiver isso, podemos colocar cem andares para cima. A nossa equipe de governo
tem um compromisso explícito
de fazer todos os ajustes para dentro. Não vai haver nenhum aumento de imposto. Toda vez que
vi fazer ajuste foi em cima do consumidor, do setor privado, sem
uma contrapartida. O ajuste é duro, mas é necessário. É a transição.
As grandes metas são do desenvolvimento porque é a partir dele
que teremos inclusão social, redução dos desequilíbrios regionais.
Folha - Dois anos é um bom tempo para a transição?
Furlan - Transição para mim é
seis meses. Seis meses é o primeiro tempo do jogo. No primeiro
tempo jogamos na retranca. No
segundo tempo vamos ganhar o
jogo. Esse governo não vai jogar
pelo zero a zero. O governo anterior jogava pelo zero a zero. A política econômica anterior jogava
pelo zero a zero, para não tomar
gol e, de repente, tomava um gol e
aí se desesperava porque não estava preparada para fazer gol.
Folha - Quem falou nos dois anos
foi o ministro Palocci?
Furlan - Palocci é extraordinário,
sereno e tranquilo. Me dou muito
bem com ele. Agora, o ministro
Palocci é o goleiro do time. É o cara que não pode deixar a bola passar e nós temos de fazer gol.
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