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LUÍS NASSIF
O maior show da história
Não sou dado ao sentimento de inveja. Mas,
quando meu colega Aluízio
Maranhão me contou que assistiu ao show do teatro João
Caetano, de 19 de fevereiro de
1968, invejei-o.
Produzido por Hermínio Bello de Carvalho, foi o maior
show ao vivo jamais registrado
pela discografia nacional.
Lá estava o Zimbo Trio, no
auge do seu sucesso e do estilo
de música que se seguiu à bossa
nova, uma MPB bastante jazzificada, que havia perdido a
simplicidade criativa dos primeiros momentos, mas que tinha atrás de si a caixa de ressonância monumental de "O Fino da Bossa", da TV Record,
apresentado por Elis Regina e
Jair Rodrigues.
Na primeira parte do show o
Zimbo acompanhava Elizeth
Cardoso. A "divina", como era
chamada, era uma cantora
portentosa, das maiores da história. Mas era considerada "defasada" pela iconoclastia que
surgiu e se seguiu à bossa nova.
A "divina" se ressentia das críticas que a davam como ultrapassada e passara a modificar
seu canto, entrando no subjazz
de época, assim como a própria
Elis.
A MPB havia perdido o rumo
da simplicidade criativa que
marcou a produção de Tom Jobim e o repertório que João Gilberto trouxera dos anos 40.
A primeira parte do show começa nesse estilo, com o Zimbo
esbanjando talento, mas dentro
do modo datado da época, e
Elizeth exercitando o estilo jazzístico, mas sem se soltar muito.
Aí se entra na segunda parte
do show. Entram o conjunto
"Época de Ouro" e Jacob do
Bandolim. Começa uma sessão
de aquecimento entre os amigos -Jacob e Elizeth se conheceram adolescentes, 30 anos antes. A música começa a tomar
corpo, vai embalando, e o Rio
começa a assistir ao maior momento de um dos maiores músicos da história.
Desde fins dos anos 40 Jacob
vinha aprimorando seu estilo.
Começou imitando Garoto,
cresceu musicalmente nos anos
50, ainda muito preso à influência do mestre maior. No início
dos anos 60 seguiu o conselho
do maestro Radamés Gnatalli e
passou a estudar música.
Cada interpretação sua tornou-se uma recriação musical,
em que não havia uma nota a
mais ou a menos. A cada ano
acrescentava novos sons ao seu
estilo. Naquela noite, no João
Caetano, estava no auge da sua
experiência e criatividade.
Quando entrou no show, Elizeth foi se soltando gradativamente, entrou no clima das rodas de choro do Rio, foi se libertando daquele sotaque jazzístico que não combinava com ela.
Quando se chegou ao "Barracão", samba do coronel Luiz
Antônio e de Oldemar Magalhães, aqueles felizardos que
compareceram ao João Caetano naquela noite saborearam
um momento único da música
brasileira.
Começa a música com Elizeth
aquecida, o cavaquinho de Jonas, os violões de Carlinhos e
Dino, o pandeiro de Jorginho
puxando no ritmo, Jacob solta
os primeiros desenhos, sem interferir muito na interpretação
da "divina".
A música é curta, praticamente tem uma parte só. Quando Elizeth a repete, Jacob solta o
verbo, uma sequência de harpejos, de desenhos quebrados,
com aquela pulsação que só ele
sabia tirar do bandolim. O
"Época de Ouro" acompanha
conduzido pelo pulso do mestre,
ralentando e subindo como
uma dama de pés leves conduzida pelo parceiro.
Quando Elizeth exclama "dá-lhe Jacob", o bandolim se solta
de forma inesquecível. Elizeth
volta para o solo e, quando se
pensa que já se tinha escutado
tudo, o público entra puxando
um coro, em um período em
que não era hábito o público
cantar com o artista, muito menos ser gravado.
Foi um orgasmo, um êxtase, a
visão do Criador. Depois do orgasmo divino, o show prossegue, com Jacob, Elizeth, o "Época de Ouro" e o Zimbo irmanados na musicalidade.
Um ano e meio depois Jacob
morreria, a essa altura como
unanimidade nacional. Os LPs
do show apenas começavam
uma trajetória que os transformariam, no decorrer dos anos
seguintes, no maior clássico da
música ao vivo brasileira.
O relançamento do show,
agora, em CD, permitirá às novas gerações saborear um dos
clássicos eternos da música brasileira.
E-mail - Luisnassif@uol.com.br
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