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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Oportunidade preciosa
LUCIANO COUTINHO
A política econômica do governo Lula derrotou, inequivocamente, a ameaça de retorno
da inflação. Todos os índices de
preços relativos a junho (IPC-Fipe, ICV-Dieese, IGP-M-FGV e, finalmente, o IPCA-IBGE) divulgados na semana passada mostraram taxas negativas. A deflação
alcançou um amplo leque de produtos no atacado e uma parcela
expressiva de bens e serviços no
varejo, refletindo o significativo
desaquecimento da economia.
Segundo as estimativas da LCA
Consultores, os preços industriais
menos sujeitos a oscilações sazonais ou à interferência do poder
público -e que constituem o
"núcleo industrial" dos índices de
preços- estão, no varejo, com taxas de variação muito próximas
de zero e, no atacado, há várias
semanas em deflação.
As expectativas dos investidores
também se inverteram notavelmente. As projeções médias para
o IPCA e para o IGP-M recuaram
significativamente nas últimas
cinco semanas. Cinco pontos percentuais foram cortados nessas
projeções no caso do IGP-M, e um
ponto e meio, no caso do IPCA. O
anúncio de deflação do IPCA na
semana passada deve acarretar
queda adicional das projeções esperadas. Essa inflexão desaceleracionista das expectativas de inflação abre, sem sombra de dúvida,
um espaço substancial para redução, sem riscos, da taxa básica de
juros na próxima reunião do Copom, no dia 23 de julho.
É perfeitamente possível, sendo
conservador, implementar um
corte de dois pontos percentuais,
baixando a taxa Selic de 26% ao
ano para 24%. Ainda assim a taxa real esperada de juros permanecerá em um nível muito elevado, superior a 15% ao ano. Pondere-se, entretanto, que por efeitos sazonais os índices de inflação
deverão receber, nas próximas oito semanas, os impactos dos reajustes das tarifas de energia, saneamento e telefonia e deverão,
ainda, refletir a entressafra dos
produtos agropecuários. Isso significa que, embora o núcleo dos
índices de inflação possa permanecer baixo e estável, os índices
"cheios" voltarão a subir para
perto de 1% ao mês e só poderão
refluir após setembro, provavelmente para níveis mensais próximos a 0,5%.
Conclui-se, portanto, que, apesar da alta sazonal da inflação
nas próximas semanas, existe,
agora, uma oportunidade preciosa para o Copom demonstrar aos
mercados mestria e liderança na
indução das expectativas. Considerando o fraquíssimo desempenho das atividades econômicas
-especialmente da indústria, da
construção civil e dos serviços- e
considerando, ainda, a perspectiva de liquidez superabundante
nos mercados financeiros internacionais, é recomendável operar
um corte ainda mais incisivo da
taxa Selic.
Uma redução de três pontos seria bem recebida pelos mercados
porquanto traria consigo o bônus
dos seguintes efeitos positivos:
1) induziria uma mudança do
clima de pessimismo no setor empresarial, que, hoje, posterga gastos e investimentos e ajusta para
baixo o nível de emprego;
2) provocaria uma desvalorização discreta e saudável da taxa de
câmbio, o que reforçaria a rentabilidade das exportações, que
vem sendo inconvenientemente
corroída nos últimos três meses e,
simultaneamente, esfriaria a tendência à retomada das importações de insumos (o que inibe sua
substituição por produção local),
auxiliando, ainda, a conter os ascendentes gastos com viagens e
turismo no exterior;
3) propiciaria ganhos expressivos para o Tesouro Nacional ao
diminuir os encargos de juros sobre a dívida mobiliária federal
indexada à Selic. Outra iniciativa
de alívio ao Tesouro seria um resgate mais rápido da dívida pública atrelada à taxa de câmbio.
A difícil gestão da política monetária deve combinar a melhor
fundamentação técnica com a arte de coordenar as expectativas
privadas, de tal forma a cimentar
confiança no futuro, estimulando
o investimento e a valorização
dos ativos -enquanto mantém
sob controle uma trajetória cadente e crível para a inflação.
Tendo logrado o feito de disciplinar as expectativas inflacionárias
-ainda que à custa de duro sacrifício econômico e social-,
cumpre, doravante, à política
macroeconômica o desafio de
conferir solidez e sustentação ao
crescimento.
Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e
Tecnologia (1985-88).
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