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VÍCIOS DO CAPITAL
Corretoras de Londres são acusadas de discriminação; operadores promovem festas com prostitutas
Cultura de sexo e droga permeia City londrina
NIKKI TAIT
CHARLES PRETZLIK
BOB SHERWOOD
DO "FINANCIAL TIMES"
Os vistosos saguões de entrada
projetam poder e segurança. Os
folhetos de recrutamento se vangloriam do profissionalismo e da
diversidade. Mas, no interior de
algumas das mais poderosas empresas da City de Londres, oculta-se um mundo no qual intimidação, embriaguez, uso de drogas e
prostitutas são parte do cotidiano.
Acontecimentos desse tipo em
uma das grandes companhias financeiras londrinas, a Cantor
Fitzgerald, foram expostos na
austera Sala de Audiências 33, nas
Royal Courts of Justice, onde histórias sobre uma cultura agressiva
e machista se desenrolaram copiosamente.
A filial londrina da corretora
norte-americana está se defendendo de uma acusação feita por
um ex-diretor de primeiro escalão. O queixoso acusa Lee Amaitis, presidente da empresa, natural de Nova York, de tê-lo escorraçado da companhia com insultos
proferidos em altos brados.
O juiz reconheceu, em um determinado momento, que palavras de calão e gritos podem muitas vezes fazer parte do mundo
dos negócios. Mas, disse o juiz, será que o ponto crucial não era o
fato de que, na Cantor Fitzgerald,
essa cultura tenha se espalhado a
ponto de ameaçar a violação das
responsabilidades legais da empresa? "Será que devemos permitir, no ambiente de trabalho, o desenvolvimento desse tipo de cultura?", perguntou o magistrado.
Steve Horkulak, 39, um operador que deixou seu posto no escritório da Cantor Fitzgerald em
Londres três anos atrás, quer uma
indenização de US$ 2,5 milhões e
sustenta que o comportamento
histérico de Amaitis equivale a
uma violação de contrato.
Não é a primeira vez que a cultura da Cantor Fitzgerald (que foi
objeto de uma onda de comoção
pública depois de perder 658 funcionários nos ataques ao World
Trade Center) atraiu atenção pública. Outro julgamento na alta
corte britânica, envolvendo suposto roubo de funcionários e
opondo a Cantor Fitzgerald à
Garban-International, sua maior
rival, contou com depoimentos
que revelaram festas com prostitutas, visitas a clubes de striptease
e apostas sobre o uso de linguagem obscena.
Discriminação
A história de Horkulak é a mais
recente em uma série de casos que
macularam a imagem da City, a
maior parte deles encerrados por
meio de acordos extrajudiciais.
Dois anos atrás, Laurent Weinberger, judeu e ex-funcionário da
corretora de valores Tullett &
Tokyo Liberty, queixou-se a um
tribunal de que fora convidado a
vestir um uniforme nazista, como
punição por chegar atrasado ao
trabalho. As duas partes chegaram a um acordo.
Também em 2001, Phillip Karam, um operador do Credit Suisse First Boston, nascido no Paquistão, queixou-se de ser tratado
como escravo e de ser forçado a
fazer chá para os colegas. Um dos
funcionários ameaçou fazer com
que "bombeassem gasolina para
dentro do meu apartamento, ou o
atacassem com coquetéis molotov", disse Karam.
Ele alegou também que seus colegas usavam drogas e que o advertiram para não sair com mulheres brancas. O banco negou as
acusações, mas pagou US$ 300
mil para encerrar o processo.
Em algumas empresas, brincadeiras pesadas continuam a ser
parte da vida na sala de operações.
Na Icap, há um paletó com uma
âncora nas costas que fica pendurado na mesa de operações e é dado na sexta-feira ao operador que
tiver passado mais vexames durante a semana. Ele precisa pendurar o paletó em sua cadeira até
a sexta-feira seguinte.
O que torna o caso mais recente
tão interessante, no entanto, é que
não tenha sido encerrado por um
acordo extrajudicial. Isso traz a
expectativa de uma decisão da
Justiça sobre aquilo que as empresas podem, e não podem, fazer
por trás das portas.
A Cantor Fitzgerald diz que as
alegações são exageradas. Afirma
que Horkulak estava apresentando mau desempenho como funcionário e um retrospecto como
usuário de cocaína e por abuso de
álcool. O banco questiona que ele
tenha de fato deixado de usar cocaína em 2000, como o operador
alega, e sustenta que o efeito combinado da droga e das bebidas
"coloria suas percepções" e o tornava paranóico.
O banco diz também que Horkulak se apresentava como uma
pessoa robusta, perfeitamente capaz de lidar com um ambiente de
alta pressão. "Não estamos tratando aqui de um funcionário
sensível", disse Charles Bear, o
advogado da Cantor Fitzgerald.
Será que uma empresa pode
justificar comportamento agressivo sob a alegação de que os funcionários deveriam ter sabido em
que estavam se metendo?
Elaine Aarons, diretora de empregos do grupo de recursos humanos Eversheds, diz que palavrões podem ter efeitos diferentes
em diferentes ambientes. Mas
acrescenta que "não se pode preservar antigas práticas simplesmente porque as coisas sempre
foram feitas daquela maneira".
Ela menciona o caso de Louise
Barton, que abriu processo por
discriminação contra um antigo
empregador, a Investec Henderson Crosthwaite, desafiando a
cultura de sigilo quanto aos valores das comissões que prevalece
na City. Em outro processo, uma
mulher foi demitida por seu empregador por se recusar a levar
clientes a clubes de striptease. O
empregador argumentou que a
mulher deveria ter sabido o que
seu cargo acarretava. O processo
foi encerrado fora dos tribunais.
Não há estatísticas sobre o número de mulheres, gays e minorias étnicas empregados nas corretoras de investimentos. Mas um
passeio pela City revela uma população em geral branca e masculina. O número de mulheres é elevado (40% nas maiores empresas
é a proporção típica, dizem executivos), mas elas trabalham em geral nos cargos de apoio, com salários mais baixos. Entre os profissionais de escalão médio, 25% são
mulheres, e nos postos de comando o número delas é ainda menor.
Tradução de Paulo Migliacci
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