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ENTREVISTA
Para vice-presidente da maior associação empresarial americana, acordo comercial traria confiança e investimento
Empresariado dos EUA defende Alca ampla
FERNANDO CANZIAN
DE WASHINGTON
O Brasil só vai recuperar o otimismo e os investimentos de empresas norte-americanas quando
decidir abrir seu mercado. E a Alca (Área de Livre Comércio das
Américas) seria a oportunidade
para fazer isso. Essa é a opinião de
Frank Vargo, vice-presidente da
National Association of Manufactures (NAM), maior organização
industrial e comercial dos EUA.
"Não deve ser uma Alca que englobe apenas pequenos acordos
em poucas áreas. Nosso conselho
para o governo americano é que,
se tivermos de negociar dessa maneira, não vai funcionar", disse
Vargo, em entrevista à Folha.
Se a única opção for a negociação de uma Alca pequena, como
sugere o Brasil, Vargo diz ser
"preferível" um acordo bilateral.
"Se o Brasil não estiver interessado, problema do Brasil. Vamos
negociar com os que queiram."
As declarações de Vargo, ex-secretário-adjunto de Comércio dos
EUA no governo Bill Clinton
(1993-2001), são uma resposta à
estratégia delineada pelo Brasil de
tentar negociar o que vem sendo
chamado de ""Alca light".
Nessa estratégia, o Brasil propõe
retirar das negociações temas
fundamentais para os americanos, como as questões de propriedade industrial e acesso a compras e contratos governamentais.
A "Alca mínima" ficaria limitada
à questão do acesso a mercados
via redução de tarifas de conjuntos de produtos.
"Enquanto continuar existindo
o sentimento de que o Brasil não
vai se abrir, haverá sempre um fato negativo. O Brasil não pode
manter a economia fechada e ser
capaz de competir, aumentar o
padrão de vida da sociedade e
atrair investimentos estrangeiros", diz Vargo, cuja associação
representa 14 mil empresas e 18
milhões de trabalhadores.
Vargo falou também sobre o desemprego em seu setor e sobre o
maior rival dos EUA hoje, a China. Segundo ele, a relação comercial com os chineses trouxe uma
nova onda de protecionismo.
Folha - Quais as chances da Alca?
Frank Vargo - Estamos muito
ansiosos para chegar a um acordo
em torno da Alca. Seria preferível
chegarmos à Alca a fecharmos
apenas acordos bilaterais. A Alca
levaria todo o continente a se
abrir, trazendo dinamismo e um
grande potencial de crescimento.
Acreditamos que a Alca será boa
para o Brasil também.
O que mais importamos hoje do
Brasil não é café ou outros produtos agrícolas. São aeronaves. O segundo item da nossa lista de importações é maquinaria elétrica.
O futuro do Brasil está nisso, e a
Alca permitiria uma ampliação
desse comércio. O Brasil precisa
se abrir. Precisa pensar sobre isso.
Folha - O Brasil decidiu propor
uma Alca reduzida em decorrência
da oferta de acesso ao mercado
americano. A proposta dos EUA foi
considerada quase indecente [dos
34 países da Alca, o Brasil seria o último a ser beneficiado pela redução de tarifas]. Isso vai mudar?
Vargo - Não posso prever o que
o governo americano vai fazer.
Mas temos bons negociadores e
sempre quisemos a Alca. Acho
que o Brasil deveria negociar de
forma dura em cima do que achar
necessário, assim como os EUA
deverão fazer a mesma coisa.
Mas o Brasil precisa encarar o
fato de representar uma das
maiores economias do hemisfério
Ocidental. Claro que ninguém deve entrar em um acordo se considerar que ele não está balanceado.
Por isso, espero que as ofertas
mudem ao longo da negociação.
Mas o importante é que o Brasil
adote a mesma visão que temos,
de uma área de livre comércio.
Não deve ser uma Alca que englobe apenas pequenos acordos. Isso
não vai funcionar. Nosso conselho para o governo americano é
que, se tivermos de negociar dessa
maneira, não vai funcionar. É preferível um acordo bilateral. Se o
Brasil não estiver interessado,
problema do Brasil. Vamos negociar com os que queiram.
Folha - Nesse cenário, como sr.
avalia a possibilidade de empresas
americanas retomarem investimentos no Brasil? Isso vai ocorrer?
Vargo - Não sei. É preciso um
pouco mais de otimismo com o
futuro, e certamente a Alca ajudaria. Enquanto continuar existindo
esse sentimento de que talvez o
Brasil não vá se abrir da mesma
maneira que o resto do mundo,
isso será um fator negativo. Sempre ouvimos a velha história de
que o Brasil é o país do futuro.
Certo, pode até ser, mas o futuro
precisa começar agora.
O mundo hoje é completamente diferente do dos anos 60 e 70.
Está muito mais globalizado e claramente vai continuar nesse caminho. Goste ou não o Brasil, é
assim que as coisas vão continuar
sendo. Vocês não podem esperar
manter a economia fechada e serem capazes de competir, aumentar o padrão de vida da sociedade
e ainda atrair investimentos.
O governo Lula é relativamente
novo, surpreendeu muitas pessoas ao perseguir as políticas certas, e o presidente parece ser uma
pessoa inteligente. O novo governo deve trabalhar para aumentar
a confiança externa no país, mas
confiança não é apenas produção
industrial crescendo por alguns
trimestres. O Brasil só vai atrair
essa confiança quando se abrir. É
disso que se trata a Alca.
Folha - A recente crise americana
afetou mais o setor industrial, onde o desemprego está concentrado. Quando isso vai parar?
Vargo - Os dois principais fatores para o desemprego são as consequências da bolha de investimentos nos anos 90 e a situação
do comércio internacional. Isso
tem a ver com a cotação do dólar.
Nos últimos dois anos, as exportações industriais caíram US$ 86
bilhões, um número monumental. Quando olhamos para a importação, é o inverso. Tivemos
um aumento de 20%.
O setor industrial representa
apenas 13% do total da força de
trabalho americana, mas respondeu por 90% do aumento da taxa
de desemprego desde julho de
2000. Somos também a área mais
competitiva e todos os anos vimos a produtividade crescer mais
rápido do que as vendas, acarretando uma perda de cerca de 50
mil empregos ao ano no país. Mas
perder 2,6 milhões de empregos
em três anos é uma enormidade.
Cortamos 15% de nossa força.
Isso agora começa, de uma forma geral, a estimular o protecionismo. Muitas companhias começam a dizer: "Esses acordos
comercias são terríveis, vamos
cair fora da OMC [Organização
Mundial do Comércio], vamos fechar nossas fronteiras". Isso é natural, mas o problema principal
está relacionado ao fato de o dólar
ter se sobrevalorizado. Quando as
coisas vão mal, a tendência é procurar culpados. Os acordos com a
China, com o México e o Canadá,
por exemplo. Mas a resposta não
está aí. Está na moeda.
Folha - Agora o dólar está ficando
mais competitivo, não?
Vargo - Sim e não. Está mudando em relação à Europa, à América Latina e, no caso do Canadá, a
paridade está voltando a um nível
razoável. Mas o problema principal continua concentrado nas
moedas asiáticas. A China desvalorizou sua moeda em mais de
30% em 1994 e vem mantendo o
mesmo nível desde então. Isso
tem gerado um impacto devastador sobre os EUA. Nossas companhias sabem que, nesse nível, não
temos como competir.
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