São Paulo, domingo, 14 de julho de 2002

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CRISE REAL

Venda deve cair de 1,7 milhão de carros para 1,5 milhão; fábricas esgotam medidas como férias coletivas e jornada menor

Montadoras estão à beira de onda de cortes

Marcio Fernandes/Folha Imagem
Vista aérea do pátio de estoque da fábrica da Volkswagen em São Bernardo do Campo (SP)


LÁSZLÓ VARGA
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL

As montadoras chegaram no limite. A queda de até 20% nas vendas nos meses de 2002, em comparação a 2001, agravada em maio e junho pela instabilidade econômica e as incertezas do consumidor, está levando empresas como Volkswagen, General Motors (GM) e Ford a paralisarem a produção com férias coletivas ou medidas semelhantes. São os primeiros passos para as demissões em massa, segundo avaliações de especialistas para a Folha.
"As montadoras não fizeram os ajustes que precisavam realizar em 2001, com a esperança de que 2002 seria melhor. Mas as nuvens escuras sobre a economia estão aí, e a tendência é que a situação piore até dezembro", afirma Glauco Arbix, especialista em indústria automobilística da USP (Universidade de São Paulo).
Arbix lembra que o país tem um excesso de montadoras (17 marcas) e de capacidade de produção, que chega a 3,2 milhões de veículos por ano. "Acontece que as empresas têm produzido a metade disso. As férias coletivas já estão ocorrendo, e não descarto demissões nos próximos meses", afirma o especialista.
Ou seja, muitos dos 93,8 mil metalúrgicos das montadoras podem perder seus empregos nos próximos meses. Na Volkswagen, o clima é de total incerteza. Os 15,2 mil funcionários da unidade Anchieta, em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, não trabalharam de 4 a 9 de julho devido à falta de encomendas. Medidas mais radicais, como a semana de trabalho de quatro dias, serão adotadas em agosto.
"Trabalhamos atualmente em sintonia fina para ajustar a produção à demanda. Em maio e abril registramos um aumento nas vendas, mas depois houve uma queda de cerca de 10%", afirma João Francisco Rached, vice-presidente de recursos humanos da Volkswagen.
Os estoques de veículos da montadora são enormes. Na unidade Anchieta há 27 mil automóveis parados nos pátios. Já na fábrica de Taubaté, no interior paulista, existem 15 mil veículos sem compradores. O estoque normal naquela unidade seria de 5.000 unidades.
A Volkswagen fechou acordos com os sindicatos dos metalúrgicos das duas cidades que impedem demissões sem consulta às lideranças. "Mas podemos acionar programas de demissões voluntárias. Ainda não pensamos em usá-los. Evitamos fazer qualquer previsão negativa ou positiva para os próximos meses", diz Rached.
José Lopez Feijoó, presidente interino do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (CUT), lembra que as montadoras têm anunciado cortes nos investimentos devido às perdas de recursos durante a crise dos fundos de investimentos, em maio. Para piorar a situação, o consumidor sofreu uma queda do poder aquisitivo e está adiando a compra de carros.
"Essa crise nos assusta. No momento em que a produção devia decolar [julho e agosto] vem essa onda de férias coletivas que também deve se refletir em outras indústrias do setor", diz.
No interior, o efeito dominó já começou. Depois de a Volkswagen de Taubaté, no interior de São Paulo, reduzir a jornada para quatro dias semanais em agosto, duas das maiores autopeças da região adotaram a mesma medida, diminuindo a produção.

Cortes efetuados
Algumas montadoras já iniciaram alguns cortes. Na unidade da GM em São Caetano do Sul, no ABC paulista, 207 empregados do setor de engenharia foram dispensados no dia 5 de junho. Ou seja, a área mais importante da fábrica, responsável pela elaboração de novos projetos, teve o pessoal reduzido.
Além disso, um programa de demissões voluntárias eliminou 703 vagas nas unidades de São José dos Campos, no interior paulista, e de São Caetano. "O número de empregados dessa fábrica diminuiu de 8.300 para 7.800 nesse ano", afirma Turíbio Liberato, representante dos trabalhadores.
A GM também dará férias coletivas para os funcionários de 29 de julho a 7 ou 9 de agosto, dependendo da linha de produção. Apenas a fábrica de Gravataí (RS) escapou da decisão. "Estamos adaptando a produção de nossas unidades à demanda. No início do ano, prevíamos que o setor venderia 1,7 milhão de veículos. Nossa expectativa agora é de cerca de 1,5 milhão", diz José Carlos Pinheiro Neto, vice-presidente da empresa.
Os pátios da GM nunca estiveram tão lotados, segundo os trabalhadores. Há 20,8 mil automóveis sem compradores. "O normal seria um estoque de 13 mil a 15 mil veículos", diz Liberato.
Também as montadoras de caminhões amargam uma queda drástica nas vendas. A Scania, em São Bernardo do Campo, teve de reduzir sua produção de uma média de 45 unidades por dia para 22. A empresa já teve de reduzir em janeiro a jornada de trabalho para quatro dias. Demitiu 160 dos cerca de 2.300 metalúrgicos com um programa de voluntariado. Agora, mais 70 trabalhadores serão dispensados por causa da queda nas encomendas.
Além dos problemas específicos do setor, a produção de caminhões foi afetada pela desaceleração da economia. "As empresas têm transportado menos mercadorias e não precisam de mais caminhões. Isso diminui mais a demanda", diz Emanuel Queirós, diretor de marketing da Scania.


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